Postado em 14 de Setembro de 2018 às 16h15

Alergias Alimentares

Vida Saudável (34)

Reações adversas impactam a vida de quem precisa viver cercado de restrições.

Por Carol Bonamigo

Muito mais comum que se imagina, estima-se que 1/4 da população nacional já tenha passado por um episódio de reação adversa a algum alimento, sendo a alergia alimentar o tipo mais frequente. Mesmo assim, calcula-se que as reações alimentares de causas alérgicas verdadeiras acometam 6 a 8% das crianças com menos de três anos de idade e 2 a 3% dos adultos. De acordo com a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), a alergia alimentar envolve um mecanismo imunológico e tem apresentação clínica muito variável, com sintomas que podem surgir na pele, no sistema gastrintestinal e respiratório. As reações podem ser leves, como uma simples coceira nos lábios, até respostas graves que podem comprometer vários órgãos. Por isso é importante prestar atenção aos sintomas, especialmente nos pequenos.

A funcionária pública federal Daiane Guindane dos Santos passou por maus bocados até detectar a causa do sofrimento de seu filho, Pedro. Desde a saída do hospital, ao nascer, os pais perceberam pequenas brotoejas na pele da criança, algo que apenas aumentava com o tempo. “Ele não tinha aquela pele lisinha de bebê. Era áspera. Tentávamos de tudo, banho com chá de camomila, cuidados na hora de lavar as roupas, pomadas e cremes, mas nada adiantava”, recorda.

Como Pedro apenas mamava no peito da mãe, as alergias alimentares foram descartadas e o tratamento foi focado no diagnóstico de dermatite atópica. Mas o quadro do menino piorava a cada dia. “Ele se machucava muito, se arranhando durante a noite, por causa das coceiras. Saía uma secreção da cabeça dele, onde ele se coçava mais, e formava uma crosta, uma ferida horrível. Dormíamos com ele, segurando suas mãozinhas, para evitar de ele se machucar. Então, na realidade, não dormíamos”, recorda Daiane, ainda abalada pela lembrança, claramente dolorosa.

Segundo a ASBAI, pacientes com doenças alérgicas apresentam uma maior incidência de alergia alimentar, sendo encontrada em 38% das crianças com dermatite atópica e em 5% das crianças com
quadro de asma.

Uma dermatopediatra sugeriu exames de sangue nos quais foi descoberto que Pedro tinha alergia a alguns alimentos, ingeridos por ele através do aleitamento materno. Daiane procurou um gastroenterologista para auxiliar em uma dieta restrita ao leite, ovo, amendoim e castanhas. “Para evitar alergia cruzada (quando os resquícios do alimento acaba contaminando a comida), cortei praticamente tudo. Nossa alimentação se resumia a frango, peixe, arroz e legumes. Logo na primeira semana, ele já começou a melhorar”.

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente A médica Jackeline Motta Franco, membro do Departamento Científico de Alergia Alimentar da ASBAI, explica que o diagnóstico da alergia alimentar é feito, fundamentalmente, pela...

A médica Jackeline Motta Franco, membro do Departamento Científico de Alergia Alimentar da ASBAI, explica que o diagnóstico da alergia alimentar é feito, fundamentalmente, pela descrição da história clínica, podendo os sintomas envolver a pele (coceira, urticária, angioedema e exacerbação da dermatite atópica), o trato respiratório (congestão nasal, rinite, estridor laríngeo, rouquidão, tosse, sibilância/asma e dispneia), trato gastrintestinal (vômitos, reações periorais, dor abdominal, refluxo gastroesofágico e diarreia) e o sistema cardiovascular (arritmias, hipotonia, prostração e síncope). “Eles compõem quadros leves, em sua maioria, ou potencialmente fatais, no caso da anafilaxia. As descrições detalhadas dos tipos de sintomas e da sua relação temporal com a ingestão do alimento possibilitam estabelecer a causalidade e o mecanismo imunológico envolvido na reação. No entanto, nem sempre o diagnóstico baseado exclusivamente na história é preciso, devendo ser complementado com outros exames”, esclarece.

Conforme a alergista, a despeito de todo o progresso científico, o tratamento da alergia alimentar fundamenta-se na retirada do alimento envolvido no processo alérgico. Por isso, o trabalho de uma equipe multidisciplinar é imprescindível. “O risco nutricional dependerá do alimento excluído e de sua importância na dieta do paciente, cabendo ao nutricionista a elaboração de um plano alimentar saudável, palatável e que resgate no paciente e em seus familiares o prazer da elaboração e do consumo da dieta. Ao médico cabe a elaboração de um plano de tratamento para tratamento de reações indesejáveis e potencialmente fatais em caso de contato acidental e o seguimento clínico, visto que, com o progredir dos anos, a tolerância espontânea pode ser alcançada”, orienta.

E foram esses os passos seguidos por Daiane e Pedro. Na escola, todos seus coleguinhas e professores sabem e respeitam as suas restrições. Quando chega a Páscoa, por exemplo, ele leva um ovo de plástico para as atividades de pintura e nas festas de aniversários dos amigos, a lancheira sai de casa já pronta. “Nem sabia cozinhar direito, mas aprendi a fazer pastel bolha, bolo, rissoles. Tudo sem leite e ovos. Mas isso mudou com o tempo, quando começamos o tratamento com a imunologista e ele foi introduzido, aos poucos, a novos alimentos”, conta a funcionária pública.

Uma nova fase

Conforme Pedro ficou mais velho, ele pôde iniciar a dessensibilização ao leite. Primeiro com o contato na pele, depois tomando poucas gotas até deixar de ser sensível à bebida. Agora, ele ingere leite normalmente. O mesmo aconteceu com o ovo, mas apenas em pequenas quantidades e combinado a outro alimento. “Ele ainda apresenta sensibilidade à clara, principalmente. Quando foi fazer a vacina da febre amarela (que possui grande quantidade de proteínas do ovo), teve uma forte reação. Corremos para o hospital e ele precisou tomar injeção de adrenalina e corticoide para conter a alergia”.

Lembranças dolorosas para Daiane, mas que não parecem incomodar tanto a Pedro. Hoje, com seis anos, o garoto entende bem a sua condição e diz nem ter tanta vontade de experimentar comidas novas. “A mamãe cozinha bem. Gosto de lasanha de frango, brócolis e couve flor”, afirma, sorridente. “Tive que aprender a cozinhar, pois os restaurantes raramente oferecem opções para quem realmente precisa de restrições, por questões de saúde. Ficamos os primeiros três anos de Pedro sem viajar, por medo de dar uma escorregada na alimentação e ele ter algum episódio mais sério”, completa Daiane.

O cuidado passou a fazer parte da rotina da família, que sempre avisa pais e professores das restrições do filho. “Mesmo podendo beber leite agora, ele mesmo me alerta para comprar sem lactose quando tem que levar para dividir o lanche na escola, porque tem uma colega que tem intolerância”, orgulha-se a mãe, ao constatar que a sensibilidade do filho não se restringe apenas aos alimentos.

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