Postado em 25 de Setembro de 2019 às 09h56

Perdido na memória

Vida Saudável (34)

No Brasil, estima-se que 55 mil novos casos de demências ocorram todos os anos, a maioria decorrentes de Alzheimer. A doença, que silenciosamente nos faz esquecer dos contrastes da vida assusta por não apresentar uma causa exata, nem cura

Por Tuanny de Paula e Keli Magri

Quantas coisas você consegue lembrar da sua infância? E mais recentemente, você lembra do que almoçou ontem? São memórias de longo e curto prazo, que estão guardadas em nossa cabeça. Algumas mais profundamente, outras que se vão embora e não fazem falta.

Parece algo normal, mas quando esse esquecimento toma conta de todas as atividades do dia a dia, é algo a se preocupar. Atualmente no Brasil, mais de 1 milhão de pessoas são diagnosticadas com a doença de Alzheimer, conhecida como a doença do esquecimento e grande parte delas já são idosas. É o caso de Iracema Fernandes, 74 anos, que descobriu a doença há 14 anos e recebe os cuidados de sua filha Roseli Fernandes, de 52 anos.

Inicialmente demorou para a família perceber que os esquecimentos de Iracema não eram comuns e a negativa dela para uma consulta especializada fez com que o diagnóstico tardasse. “Quando recebemos a notícia, ela já estava há uns quatro anos com a doença. Foi um baque para nós, porque ela morava em Florianópolis e nós em Chapecó. A distância não nos deixava fazer muito por ela”, lembra Roseli.

Conforme a doença se desenvolvia, o dia a dia ficava mais difícil para Iracema e seu marido, principal cuidador. Eram fugas de casa, roupas tiradas sem motivo e brigas. “Ela sempre foi muito nervosa e após o avanço da doença não mudou muito, ficou bem mais irritada”.

O pai de Roseli, um senhor de idade avançada na época, não conseguia acompanhar e vigiar os colapsos momentâneos da esposa. Assim, pediu ajuda da filha para cuidar da mãe, mas decidiu não estar junto. “Eu não o culpo por deixá-la para mim cuidar, ele estava cansado”. Ele faleceu em 2017 e sua esposa talvez não se lembre disso.

Conforme explica o geriatra Márcio Fernando Borges, o Alzheimer é a doença da memória, o quadro de demência mais comum que existe. “Uma demência são as falhas de memória, principalmente o esquecimento de fatos mais recentes, fatos que aconteceram hoje, essa semana, no mês passado, ou seja, aquelas coisas recentes que a pessoa acaba esquecendo”.

Esse esquecimento gera alteração no comportamento da pessoa, tumultuado a rotina da família. A pessoa começa a apresentar falta de autonomia e não consegue mais tocar a vida sozinha. Coisas que antes pareciam simples, passam a escorrer como areia da mão.

Por ser a doença do envelhecimento, o maior fator de risco para ela se manifestar é a idade. O geriatra explica que isso aconteceu após a expectativa de vida aumentar no mundo. “Antigamente não tinham muitas pessoas com a doença, principalmente nos primeiros 50 anos do século 20. Até por volta da década de 70 e 80, era raro se ouvir sobre Alzheimer, porque tinham poucas pessoas que ficavam realmente idosas depois dos 75 anos.

Então aconteceu o fenômeno do envelhecimento brasileiro e mundial, onde as pessoas estão chegando facilmente aos 80, 90 anos e aí aparece a doença de Alzheimer com bastante força - principalmente a partir dos 75 anos”.

Além disso, Márcio salienta que pelo menos 20% das pessoas com mais de 80 anos podem começar a desenvolver sintomas da doença. Mas para quem já leu o livro ‘Para sempre Alice’, da escritora Lisa Genova ou assistiu a adaptação cinematográfica estrelada por Julianne Moore, deve se perguntar se pessoas mais jovens podem desenvolver a doença. Segundo o médico é raríssimo isso acontecer, podendo ser um caso para cada um milhão de habitantes.

E para diagnosticar esses casos, Márcio explica que não existe nenhum exame de imagem, nenhuma tomografia ou ressonância que dê com certeza se a pessoa tem Alzheimer ou não. São exames que apenas ajudam a descartar outras doenças que podem surgir devido a problemas neurológicos de memória e esquecimento.

“Uma coisa que nos ajuda muito no diagnóstico é a avaliação neuropsicológica, ou seja, uma psicóloga especializada na parte neurológica aplica uma bateria de testes para avaliar a memória de curto prazo, o comportamento, a orientação de tempo e espaço e isso pode ajudar a diagnosticar”.

Mas nada além disso pode ser feito. Atualmente, não existe tratamento para a doença, pois não se sabe exatamente o que ocasiona ela. Existem algumas hipóteses e teorias discutidas por estudiosos, que afirmam não existir uma causa que todo mundo conheça. “Então se você não tem uma causa, como que você vai desenvolver uma medicação ou postular um tratamento?”, questiona o médico e logo explica:

“Não tem nenhum medicamento que vai curar ou fazer a doença parar de progredir. É uma das doenças mais estudadas no mundo, mas por enquanto a medicina não tem uma resposta para dar. O tratamento se resume ao cuidado dos familiares com a pessoa doente”.

É o caso de Roseli, que tem como prioridade os cuidados de sua mãe Iracema. “A rotina da casa mudou, agora sempre que vamos fazer algo pensamos no bem-estar dela”. Seu marido ajuda também, a dar banho, alimentar e a promover conforto para sua sogra de 74 anos, que está acamada há seis anos.

No começo era difícil saber como lidar com a doença e ao procurar ajuda, Roseli encontrou a Associação Municipal de Alzheimer e Demências (AMAD). Lá se deparou com um grupo de apoio de diversas pessoas que passaram ou ainda passam pelas mesmas coisas que ela, fazendo com que a tarefa se tornasse mais corajosa. “A gente troca experiências de cuidado, fala do dia a dia, aprende novas informações. É como uma terapia sobre a doença”.

Uma mão de apoio

No Brasil existem várias iniciativas de grupos de apoio sobre a doença de Alzheimer. Uma delas é a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), formada por profissionais da área da saúde e familiares de pessoas com a doença. A entidade sem fins lucrativos tem como objetivo transmitir informações sobre diagnóstico e tratamento e orientar sobre aspectos cotidianos do acompanhamento.

A presidente da unidade regional do Rio Grande do Sul, Patrícia Fischborn, conta que as principais atividades desempenhadas pelo grupo são campanhas informativas, cursos e treinamentos, encontro de grupos de apoio e cuidadores e atividades para familiares e cuidadores dos pacientes.

“Estamos sempre buscando informações e compartilhando com os familiares e cuidadores que fazem parte da associação”.

Atualmente, no mundo, os números assustam: uma em cada 14 pessoas com mais de 65 anos tem Alzheimer. São quase 44 milhões de indivíduos com o mal no mundo, 1,4 milhão deles só no Brasil. E as projeções esboçam um crescimento exponencial: em 2030, 75 milhões serão afetados pela doença, quantidade que deve pular para 135 milhões em 2050.


Avanços e desafios da medicina


Com o acelerado envelhecimento da população mundial, o alto índice de crescimento de casos de demência tornou-se um dos principais desafios de saúde pública da atualidade. Segundo estatísticas do IBGE, em 2018 o Brasil somava 28 milhões de pessoas acima dos 60 anos. Até 2060, este número deverá aumentar para 73 milhões de pessoas.

No mundo, apesar de nenhuma descoberta apontar cura para o Alzheimer, alguns estudos mostram avanços. Um dos mais recentes foi publicado pela revista Science Translational Medicine, em março deste ano. O estudo norte-americano testado em ratos descobriu que um medicamento (lonafarnib) usado no tratamento de diabetes pode ser a chave para tratar doenças neurodegenerativas. A droga potencializou um mecanismo neural que combate o acúmulo da proteína tau, que está relacionada a doenças como o Alzheimer.

A pesquisa continua e os resultados podem ajudar futuramente no desenvolvimento de drogas que tratem enfermidades ainda sem cura. Isso porque, ainda não há medicamentos que revertam as principais mazelas decorrentes do Alzheimer, como falhas de memória ou dificuldade para executar tarefas simples, embora dezenas de drogas estejam em fases avançadas de testes. Por enquanto, a batalha dos médicos é para combater os sintomas.

Este é o ponto que um procedimento cirúrgico chamado de estimulação cerebral profunda tenta avançar no Brasil e no mundo nos últimos anos como uma esperança para frear o mal de Alzheimer. Frear, não revertê-lo. A cirurgia funciona como um marca-passo, só que no cérebro: descarrega microcorrentes elétricas para estimular o seu funcionamento e é usada há mais de duas décadas para controlar os sintomas do mal de Parkinson e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Na aposta da técnica contra o mal de Alzheimar, o estudo iniciado por um grupo de médicos de Toronto, Estados Unidos, em 2012, aponta melhora clínica após um ano da cirurgia. Além de Toronto, o procedimento já foi realizado no Brasil, em 2013 em São Paulo e Rio de Janeiro e em 2015 em João Pessoa, na Paraíba. Porém, por aqui, o estudo ainda é considerado um experimento pela Academia Brasileira de Neurologia “sem evidências cientificamente comprovadas a longo prazo”.

Outro procedimento cirúrgico, também considerado experimental, vem da Universidade do Estado de Ohio (EUA) e instala o marca-passo no lobo frontal do cérebro, região responsável pelas nossas habilidades em resolver problemas. A estimulação demonstrou resultados positivos na retardação da doença.

Etapas do Alzheimer

Pré-clínico (dura até 20 anos)
Os esquecimentos são bem ocasionais e não chegam a atrapalhar a rotina ou o trabalho de maneira perceptível.

Declínio cognitivo leve (dura até 20 anos)
Parentes e amigos começam a notar os “brancos”, mas é possível executar todas as atividades.

Comprometimento cognitivo leve (de 1 a 3 anos)
Os sintomas já estão mais claros e causam certa ansiedade. A pessoa segue com a vida normal.

Demência leve a moderada (de 2 a 3 anos)
O diagnóstico tende a ser feito aqui. Surgem episódios de reclusão e agressividade.

Demência moderada (de 1 a 2 anos)
A confusão se acentua e não há mais condição de acompanhar as finanças ou dirigir.

Demência grave (de 2 a 3 anos)
O paciente não reconhece mais a própria família. É preciso recorrer a cuidados profissionais.

Estágio final (de 1 a 2 anos)
Dificuldades para comer, andar, falar ou fazer qualquer coisa. O indivíduo fica totalmente descolado da realidade.
 

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