Postado em 09 de Agosto de 2018 às 16h45

Guerra dos Canudos

Especial (28)

Cerca de 35% do plástico produzido é usado só uma vez, por apenas 20 minutos, o seu descarte inadequado resulta em um décimo desse produto encontrando o mar.

Por Carol Bonamigo

Tudo o que você consome acaba, eventualmente, sendo descartado. Se você nunca parou para pensar nisso, talvez este seja o momento. O plástico, por exemplo, um produto inegavelmente presente no cotidiano da vida contemporânea, apesar de versátil, muitas vezes reciclável, barato, durável e resistente, é também um dos maiores problemas da atualidade, quando pensamos em meio ambiente. E isso se deve ao seu uso extrapolado e descarte inadequado. Exagero? Não necessariamente.

Ao chegar a um restaurante e pedir um suco, o garçom, geralmente, lhe entrega o copo, seguido de um canudo plástico para consumir a bebida. Este canudo está envolto em outro saco plástico, para demonstrar a higiene do produto. O mesmo acontece com os talheres. E este saquinho plástico, na maioria das vezes, fica em cima da mesa, inutilmente, até ser carregado pelo vento ou derrubado no chão, sem encontrar a lixeira correta. E estamos falando de um único cliente em um único estabelecimento. Agora, imagine quantas vezes isso acontece diariamente, ao redor do mundo.

Conforme a fundação suíça Race for Water, cerca de 35% dos plásticos produzidos são usados só uma vez, por apenas 20 minutos. E, aproximadamente 10% deles, quando descartados, têm como destino o mar. Fator que tem preocupado cada vez mais os ambientalistas e merece não apenas atenção, mas atitudes concretas. “O consumo exacerbado ligado à falta de responsabilidade com o destino final dos produtos e materiais utilizados e descartados por nós já ultrapassou os limites de apenas uma preocupação e se caracteriza como um problema não somente ambiental, mas também econômico e de saúde pública. Os resíduos sólidos causam problemas aos organismos, assim como praias sujas geram prejuízos econômicos por diminuir o turismo e problemas de saúde pública por contribuir com a disseminação de vetores de doenças”, explica a Oceanóloga e Doutora em Oceanografia Química, Juliana Leonel.

Uma das grandes ameaças aos oceanos e à vida marinha são os resíduos gerados pelos seres humanos e despejados sem qualquer critério – em especial, os plásticos. Tamanho é o problema, que a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a campanha Mares Limpos, na 1ª Conferência dos Oceanos, em 2017, para conscientizar pessoas e empresas a reduzir o consumo de plásticos e evitar seu descarte inadequado nos oceanos.

De acordo com a Organização, foi produzido cerca de 322 milhões de toneladas de plástico no mundo em 2015 – e quase 8 milhões de toneladas acabaram nos oceanos. Esta grande massa de resíduos acaba por prejudicar todo um ecossistema, afetando animais e alterando, inclusive, a temperatura global. Estima-se que o lixo plástico mate até 1 milhão de pássaros marinhos, 100 mil mamíferos que vivem próximos dos mares e uma quantidade incontável de peixes todos os anos. Sem contar seu tempo de composição – cerca de dois séculos –, que garante a sua permanência por gerações, afetando milhares de criaturas marinhas todos os dias.

Comprometimento com a solução

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente Comprometimento com a solução A previsão do Foresight Future of the Sea Report, relatório britânico sobre a situação dos mares, é que a quantidade de...

A previsão do Foresight Future of the Sea Report, relatório britânico sobre a situação dos mares, é que a quantidade de plástico nos oceanos triplique até 2025. Pouco se sabe ainda sobre os efeitos reais dessa poluição toda. Mas, segundo cientistas, esse lixo plástico nas costas têm contribuição importante na proliferação de algumas bactérias. Além dos problemas gerados pelo lixo, o relatório não deixou de fora outras ameaças, como o aumento da temperatura das águas e do nível do mar, poluição química, e a superexploração das espécies marinhas. “Os problemas vão desde o dano físico gerados aos organismos, passando pelos danos químicos (muitos plásticos funcionam como vetores de substâncias químicas prejudiciais à saúde dos organismos marinhos e seres humanos) até o fato que os plásticos podem funcionar como meio de transporte de espécies invasoras, que podem colocar em risco a diversidade de um determinado local”, elucida Juliana.

Segundo estudos da ONU, o aumento do nível do mar em meio metro pode desalojar 1,2 milhão de pessoas no Caribe e nos oceanos Índico e Pacífico; este número dobra se o nível do mar subir dois metros. “Comprometer os oceanos significa comprometer as pessoas. A saúde humana, a prosperidade econômica e um clima estável dependem da saúde dos oceanos. As principais atividades econômicas, como turismo e comércio, dependem da salubridade deles. Oceanos são os principais reguladores do clima global. Eles fornecem metade do oxigênio que respiramos e absorvem um terço do dióxido de carbono que produzimos”, informou o documento da ONU durante a Conferência dos Oceanos.

O plástico permanece no nosso ecossistema por anos, afetando milhares de criaturas marinhas todos os dias. Se este ritmo for mantido, em 2050 haverá mais plástico do que peixes nos oceanos.

Por isso, no decorrer do evento, Estados-membros da Organização fizeram um chamado global para ação – uma declaração concisa, focada e concreta para atitudes que avancem rumo a um futuro mais sustentável para os oceanos – com centenas de novos comprometimentos para ações voluntárias. Uma vez que 60 a 90% do lixo marinho é constituído por diferentes polímeros de plástico, uma das principais soluções para combater a poluição marinha, de acordo com a ONU, seria reduzir o uso de plástico por pessoa. E alguns países já iniciaram a sua parte. Bruxelas, capital da Bélgica, está em busca do apoio do Parlamento Europeu e dos Estados-Membro para proibir a comercialização de canudos, pratos e talheres descartáveis na cidade. A proposta da Comissão é que os fabricantes encontrem um substituto reciclável para estes produtos. A ideia é a mesma para a substituição de cotonetes – exceto os utilizados por razões médicas – e canudos de apoio para balões de festas.

Nos Estados Unidos – onde cerca de 500 milhões de canudos são consumidos por dia – um projeto de lei tramita na Califórnia sugerindo que funcionários de restaurantes que ofereçam canudos aos clientes possam ser penalizados com multas de US$ 1.000 ou até seis meses de prisão, de acordo com o site Munchies. A lei não deverá banir o uso de canudos plásticos, mas fazer com que eles só sejam oferecidos quando solicitados pelo cliente.

Na França, o Programa de Transição Energética pretende, até janeiro de 2020, proibir a venda de canudos plásticos, além de outros artigos descartáveis, como colheres, facas e garfos. Segundo estudo feito por lá, esses itens geram 30 mil toneladas de lixo por ano.

Já na Espanha, a ideia é trocar os canudos de plástico por comestíveis, biodegradáveis e recicláveis. O chamado Sorbo é um canudinho feito com açúcar, gelatina e amido de milho, aromatizado com seis sabores (limão, lima, morango, canela, maçã verde, chocolate e gengibre).

No Brasil há uma iniciativa no Rio de Janeiro, onde vereadores aprovaram banir canudos de plástico em bares e restaurantes. O projeto de lei ainda tramita pela esfera política e prevê multa de até R$ 3 mil para o estabelecimento que descumprir a regra.

Todos no mesmo barco

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente Todos no mesmo barco O Ministério do Meio Ambiente iniciou a elaboração do Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, que será desenvolvido em 2018. Na abertura do I...

O Ministério do Meio Ambiente iniciou a elaboração do Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, que será desenvolvido em 2018. Na abertura do I Seminário Nacional sobre Combate ao Lixo no Mar, em novembro de 2017, no Rio de Janeiro, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, reafirmou o compromisso voluntário assumido pelo País meses antes, em junho, em Nova York, durante a Conferência dos Oceanos, de aderir à campanha Mares Limpos, da ONU Meio Ambiente. O objetivo é convencer pessoas e empresas a reduzir o consumo de plásticos e evitar seu descarte inadequado nos oceanos.

A campanha terá a duração de cinco anos. Nos últimos 20 anos, a proliferação de resíduos descartáveis e microesferas de plástico tornou o problema do lixo marinho uma questão alarmante. Segundo a agência das Nações Unidas, a menos que os países ajam agora, os mares serão atingidos por uma maré de plásticos provocada pelo consumo humano.

A oceanóloga Juliana também atua na área de poluição marinha e ajuda no desenvolvimento de projetos de identificação e caracterização dos resíduos plásticos nas praias da Ilha de Santa Catarina e nas águas costeiras da região do Sul do Brasil. “O objetivo é investigar também a origem desses materiais para conectar com políticas públicas de redução de venda e/ou uso. Também estamos iniciando um projeto para avaliar a ocorrência de resíduos plásticos em organismos de interesse comercial, como por exemplo, ostras e peixes, e o estudo de microplásticos como carreadores de contaminantes”, conta.

De acordo com a ONU, a cada ano, mais de 8 milhões de toneladas de plástico vão para os oceanos, provocando danos na vida marinha, pesqueira e no turismo e causando pelo menos 8 bilhões de dólares de danos nos oceanos.

Buscando fazer parte da solução, a marca Adidas fez uma parceria com a ONG Parley for the Oceans.
Em 2017, a empresa vendeu 1 milhão de tênis feitos com plástico recolhido dos oceanos. O modelo é inspirado nas ondas do mar e cada par é feito a partir de 11 garrafas reutilizadas – 95% por plástico retirado dos oceanos e 5% por poliéster reciclado. Dando continuidade à colaboração, a marca apresentou, em maio deste ano, o terceiro uniforme do Manchester United para a temporada 2018 e 2019, confeccionado também com plásticos extraídos dos mares. Apesar da nobre iniciativa, ela não chega nem perto de estancar o problema, na visão de Juliana. “A reutilização e a reciclagem são, com certeza, atitudes necessárias. Mas não são a solução, pois são apenas medidas paliativas e não são suficientes para resolver o problema dos resíduos sólidos que são diariamente descartadas de forma indiscriminada no ambiente. Por exemplo, a produção de tênis (e outros artigos) feitos com plásticos retirados dos oceanos não contribui para a diminuição do consumo de plásticos no mundo e, em breve, esse mesmo tênis (ou restos dele), estará flutuando nos oceanos. Estamos em um momento que é necessário ir além, precisamos repensar nosso hábitos para recusar produtos e reduzir o consumo de outros, principalmente daqueles de uso único e vida útil curta. Além disso, cabe a nós cobrar que as empresas repensem a sua linha de produção em busca de implementar a economia circular”, opina a doutora em Oceanografia Química.
 

Straw Wars

Uma análise realizada em 2016 pelo Centro Comum de Investigação da comissão Europeia, JRC na sigla em inglês, estudou o lixo que se acumula nas praias da Europa. Nessa ocasião foi descoberto que 84% dos resíduos encontrados eram de plástico.

Um outro estudo realizado pela revista Science concluiu que 192 países com território a beira-mar contribuíram para o descarte de mais de 10 milhões de toneladas de plástico no mar, em 2015. A China ocupa o primeiro lugar na lista, enquanto o Brasil está na 16ª posição.

Diante deste cenário alarmante, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vai iniciar uma análise sobre os potenciais riscos da presença de plástico na água que bebemos. Ela levará em conta as últimas pesquisas sobre a disseminação e o impacto dos chamados microplásticos – partículas que são pequenas o bastante para serem ingeridas. Isso ocorreu após um teste feito com 250 garrafas de água de 11 marcas líderes do mercado ter mostrado que havia micropartículas de plástico em 93% delas.

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