Postado em 22 de Junho de 2017 às 13h15

Margens Ameaçadas

Especial (28)

Considerado o quinto mais poluído do Brasil, o rio Gravataí é também responsável pelo abastecimento de mais de 1,5 milhão de pessoas.

Reportagem e fotos: Carla Tesch
Vencedora do VIII Prêmio Unochapecó-Caixa de Jornalismo Ambiental

As margens do Rio Gravataí, no Rio Grande do Sul, são a primeira imagem que Osnildo, o Cataúcho, vê todas as manhãs ao acordar. Sentindo-se privilegiado, ele é um dos poucos moradores do município de Gravataí que tem a casa banhada por suas águas. Residente da Vila Morada Gaúcha, o homem simples de 51 anos enxergou no terreno uma possibilidade de ganhar a vida e aproximar a população do rio. Há cinco anos, criou o Camping do Cataúcho, onde é possível pescar, praticar ski, jogar bocha e vôlei, entre outras opções de lazer.

Osnildo tem sua história de vida marcada pela Bacia do Rio Gravataí. Assim como ele, estão outras 1,5 milhão de pessoas que são abastecidas diariamente pelo rio. Apesar de sua importância, o Gravataí vive hoje um dos seus piores momentos: suas águas estão ameaçadas pela crescente poluição. A gravidade é tamanha que já fez com que fosse considerado o segundo do Rio Grande do Sul e o quinto mais poluído do Brasil, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010. Para o diretor técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente (FMMA), Jackson Muller, entre os maiores problemas do Rio Gravataí estão o esgoto sem tratamento, a contaminação química pelo uso de agrotóxicos, o acúmulo de lixo e a ocupação habitacional irregular de suas margens. A extensão dos problemas já fez com que metade de suas águas fosse perdida.

Esgoto: o maior dos problemas

As águas escuras evidenciam a falta de tratamento de esgoto como a maior dificuldade que o Rio Gravataí enfrenta hoje. Segundo o geólogo e presidente da Associação de Preservação da Natureza – Vale do Gravataí (APN-VG) e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso, a qualidade do manancial é prejudicada pela falta de investimento público. “São cerca de 50 toneladas de esgoto sendo jogado ainda de forma bruta diariamente na água”, afirma. Aproximadamente 90% de todo o resíduo coletado pelos nove municípios que formam a Bacia do Gravataí (Santo Antônio da Patrulha, Taquara, Glorinha, Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada, Viamão, Canoas e Porto Alegre) é despejado sem qualquer tratamento no rio. Análises realizadas em 2014 pela Corsan identificaram coliformes fecais, bactérias e metais pesados como chumbo e zinco em quantidades excessivas. Essas medições colocam o Rio Gravataí na classe 4, a pior de acordo com as normas de controle do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Apesar dos investimentos de quase R$221 milhões em obras de saneamento básico, o programa Pró-Guaíba, criado pelo Governo do Estado do RS, ainda se mostra insuficiente para a demanda da população. Após 20 anos, apenas 24% de todo esgoto da Região Metropolitana recebe tratamento.

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente - Arroio Barnabé, um importante afluente do Rio Gravataí, sofre com a poluição.
Arroio Barnabé, um importante afluente do Rio Gravataí, sofre com a poluição.
Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente - Ex-morador da Vila Olaria, José Côrrea, de 66 anos, ajuda os vizinhos com a remoção para o Loteamento Chico Mendes.
Ex-morador da Vila Olaria, José Côrrea, de 66 anos, ajuda os vizinhos com a remoção para o Loteamento Chico Mendes.

Agricultores x Ambientalistas

Uma das maiores atividades econômicas do Estado é também a mais poluente sob o olhar dos ambientalistas. Sendo o único meio de sobrevivência de muitos agricultores, as lavouras de arroz irrigado e hortifrutigranjeiros junto à Bacia do Rio Gravataí já somam aproximadamente 12 mil hectares. A maior parte delas está dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) Banhado Grande.

Para o diretor técnico da FMMA, Jackson Muller, a exploração acaba afetando a qualidade do rio: “Cortam a mata ciliar, lançam agrotóxicos e ainda retiram água para as lavouras num volume muito maior do que a capacidade de suporte do rio”.

O uso de fertilizantes químicos não permitidos é alvo de discussão entre ambientalistas e produtores. Análises do FMMA comprovaram a destruição de uma área de 600 metros de vegetação nas margens do rio pelo uso desses produtos no final de 2015.

A responsabilidade pela fiscalização é da Fundação Estadual e Proteção Ambiental (Fepam). Porém, para Muller, os depósitos não são fiscalizados. A dificuldade em autuar os produtores é ampliada por questões burocráticas, já que muitos se encontram fora dos limites do município. Também, não há pessoal suficiente para uma correta fiscalização de suas águas.

Pelas margens do rio

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente Pelas margens do rio Mesmo com a casa elevada, Vanessa Córdova, 27 anos, vê a água alcançar a porta. Ribeirinha da Vila Olaria, em Cachoeirinha, viver ás margens do Rio...

Mesmo com a casa elevada, Vanessa Córdova, 27 anos, vê a água alcançar a porta. Ribeirinha da Vila Olaria, em Cachoeirinha, viver ás margens do Rio Gravataí não é de longe uma opção agradável: “Fui expulsa pelo rio da minha própria casa várias vezes, por causa das cheias. Agora, eu e minha família estamos em um ginásio esperando a água baixar, mas não dá para ficar longe. Da última vez, roubaram tudo da minha casa”.

Vanessa e outros 400 moradores da ocupação irregular da Vila Olaria preocupam entidades de proteção da Bacia do Gravataí. O uso da área para moradia causa o assoreamento, além de suas águas serem poluídas com resíduos de toda ordem despejados no rio. Para Muller, a presença dessas famílias é um importante fator de degradação: “O lixo gerado pelos ribeirinhos agride o solo e a vegetação, além de comprometer a qualidade da água”, diz o diretor da FMMA.

A desocupação da Vila Olaria, começa aos poucos a tomar forma. Na ânsia de possuir um novo lar longe das intempéries, os próprios moradores realizam mutirões para erguer o Loteamento Chico Mendes, em Cachoeirinha. Após mais de cinco anos em construção, o local já recebe as primeiras famílias de ribeirinhos. O objetivo é servir de nova morada a 114 famílias da Vila Olaria e outras 186 da Vila Navegantes. A expectativa da FMMA é que os desequilíbrios gerados por esse tipo de ocupação devam ser amenizados com a desocupação das áreas.

Qual o futuro do Rio Gravataí

As crianças atendidas pela Legião da Boa Vontade (LBV), em Glorinha, não esperavam, mas o dia lhes reservava um Seminário de Educação Ambiental, com teatro, músicas infantis e ainda um passeio às margens do Rio. A iniciativa faz parte do projeto Rio Limpo, da APN-VG, que tenta disseminar práticas de uso racional dos recursos naturais. Apesar de alguns avanços sociais e estruturais realizados pelo Estado, ambientalistas e ONGs, o Rio Gravataí ainda sofre com a exploração e a degradação de sua vegetação. A falta de controle sobre seus principais ecossistemas, como o Banhado Grande, Banhado do Chico Lomã e o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, considerados Áreas de Proteção Ambiental (APA), ameaça a biodiversidade da região.

Para evitar que problemas como esse fossem prolongados, há 19 anos foi estabelecida a necessidade da elaboração de um Plano de Manejo para as APAs, onde seriam regularizados a exploração econômica, além de prever melhorias na gestão hídrica e a ampliação do armazenamento de água. Mas foi apenas em 2014, após intervenção do Ministério Público Estadual e da Fepam, que foi definida a elaboração dos Planos de Manejo para as áreas de preservação de Banhado Grande e Banhado dos Pachecos.

A conclusão dos planos estava prevista para fevereiro de 2017, mas foi adiada, já que suas finalizações dependem de recursos financeiros ainda não liberados pelo governo do Estado. Segundo a Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA), o Plano de Manejo do Banhado Grande se encontra ainda em fase de coleta de dados biológicos e calcula sua conclusão para novembro de 2018. Já o Plano para o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos está na etapa propositiva do processo e tem como prazo final, dezembro de 2017.

“Há a necessidade de se implantar outro modelo de gestão, com a cobrança do uso da água, pelo lançamento de poluentes e uso das águas subterrâneas. esse modelo já foi previsto na legislação gaúcha, mas não há interesse em efetivá-lo” - Jackson Muller, diretor técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente

Para o presidente da APN-VG e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso, os Planos de Manejo se tornam importantes pela sua visão regional de proteção dos ecossistemas e auxílio na recuperação de áreas degradadas como a região do Banhado Grande. “Todo o suprimento de água dos seres vivos que são abastecidos pelo Rio Gravataí depende desta região. Proteger esse ecossistema é um dos objetivos fundamentais do plano”.

Quanto ao Plano de Bacia do Rio Gravataí, formulado ainda em 2012, Jackson Muller ressalta que este ajudou a definir diversas estratégias para a regulação dos usos e ocupação do solo, mas acredita que o Plano não causa efeitos práticos na melhoria do rio. “Há a necessidade de se implantar outro modelo de gestão, com a cobrança pelo uso da água, pelo lançamento de poluentes e uso das águas subterrâneas. Esse modelo já foi previsto na legislação gaúcha, mas não há interesse em efetivá-lo”, analisa. Ainda de acordo com o diretor técnico da Fundação Municipal do Meio Ambiente, a implementação do Plano de Bacia fica condicionada a aplicação de recursos financeiros, o que tem inviabilizado muitas ações importantes.

Outra luta dos ambientalistas é pela construção de barragens como meio de reduzir o impacto da intervenção humana e aumentar a quantidade de reserva de água para a população. Porém, Muller alerta que a construção da barragem não pode ser vista como a única opção para preservar o manancial, sendo necessário antes proteger o ambiente e investir em novas tecnologias que reduzam as perdas.

Entretanto, a vida do Rio Gravataí não depende somente de ações isoladas do Governo, empresas privadas ou mesmo ambientalistas. O cenário não mudará sem uma organização coletiva na luta por um consumo consciente. Sérgio Cardoso, que também coordena o projeto Rio Limpo, acredita que é preciso mudar a mentalidade da população: “Temos que investir fortemente na cultura das pessoas, formar a educação ambiental. O projeto Rio Limpo vai ajudar a mudar a cultura que a população tem sobre o Rio Gravataí”.

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