Postado em 09 de Junho de 2020 às 09h22

Os desafios do licenciamento ambiental

Especial (28)

Mudanças na legislação para agilizar trâmites cobram melhores projetos dos empreendedores e exigem melhor estrutura dos órgãos de controle

Quanto tempo demora para conseguir uma licença ambiental no Brasil? Essa pergunta não tem uma resposta exata, não só pela falta de legislação clara e objetiva, mas porque a própria lei depende de variáveis como tipo de atividade, órgão emissor, qualidade do projeto apresentado e quantidade de processos para análise, cuja demanda geralmente é maior que a capacidade estrutural dos órgãos responsáveis.

Levantamento feito pela equipe da Startup LicenTIa, da empresa tecnológica WayCarbon de Belo Horizonte (MG), aponta a média de um ano e nove meses para conseguir uma licença ambiental no Brasil e até 8,6 anos para um processo completo de licenciamento. O estudo analisou dados públicos do Portal Nacional de Licenciamento Ambiental (PNLA), disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o histórico de protocolos e licenças emitidas nos últimos 10 anos nas esferas estadual e federal. Os setores de transporte, energia e mineração são os mais morosos, enquanto os da indústria da transformação, alimentícia e infraestrutura os mais ágeis, segundo levantamento. 

De acordo com os dados do PNLA analisados pela LicenTIa, os estados do Brasil que mais demoram para emitir uma licença são Pará, Roraima, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Contudo, no Paraná, um processo de Licença Prévia - uma das três necessárias - já demorou quase três anos e meio. Uma das explicações é que o governo estadual tardou quase três décadas para autorizar abertura de concurso visando contratar servidores públicos para o atual Instituto Água e Terra (IAT). No estado do Pará, modelo de gestão ambiental regulamentado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA) e adotado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS), o Simples Ambiental, instituiu o regime simplificado de licenciamento, pautado no monitoramento eletrônico, inclusive do usuário. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) do Rio Grande do Sul afirma que vem implantando iniciativas para agilizar os trâmites. No seu site, disponibiliza mensalmente relatório de desempenho institucional. No mês de fevereiro de 2020, segundo relatório, foram 562 novos processos solicitados. Destes, 532 foram solucionados. Como o período de complementação não é contabilizado, não temos uma ideia real do tempo em dias.

No recorte do setor de energia, outro estudo inédito elaborado pelo Instituto Acende Brasil aponta o tempo médio do licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas no País: nove anos! Os números foram obtidos a partir de dados colhidos de 81 hidrelétricas licenciadas entre 1992 e 2013. De acordo com o levantamento, após a emissão da licença prévia, exigência obrigatória para que o projeto possa disputar leilão de energia, o processo ambiental leva, em média, cinco anos e nove meses, período que extrapola o prazo exigido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para o início de operação da usina.

Por que a demora?

As licenças básicas para qualquer empreendimento no Brasil, LP (Licença Prévia), LI (Licença de Instalação) e LO (Licença de Operação), são emitidas pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), caso os empreendimentos sejam de esfera federal, ou pelos órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, que respondem por 90% da demanda do País.

No meio destes três processos de licenças, há, na maioria dos casos, pedidos de informações, esclarecimentos, solicitação de novos documentos e adequação de projetos. O diretor de Licenciamento Ambiental do IBAMA, Jônatas Souza da Trindade, grifa que a falta de informações ou a entrega de projetos incompletos pode ampliar dos normais três para cinco anos a média do procedimento completo de licenciamento. “Se você tem um projeto mais qualificado, mais maduro, naturalmente o prazo será menor. O estudo não vai exigir complementação ou esta será muito menor, com prazo mais curto. Qualificar o projeto significa ganhar tempo. Evita retrabalho, que não é interessante nem para o empreendedor, nem para o órgão ambiental”, sublinha.

Quando a inconsistência dos projetos se soma à falta de equipe técnica para análise das licenças, o drama é maior. No IBAMA, são 240 profissionais que atuam no licenciamento ambiental no Brasil todo. Conforme Jônatas, a demanda exige o dobro de servidores. “Isso é geral dos órgãos ambientais, não só do IBAMA. Temos uma equipe muito reduzida, o que impacta no atendimento. Muita coisa acaba ficando na fila para análise. Às vezes, o atraso é em decorrência desta fila, não da análise em si”. No IBAMA, a equipe técnica consegue atender, segundo o diretor de Licenciamento Ambiental, em torno de 35% e 40% da demanda anual, que hoje alcança quase 3.000 processos de licenciamentos ativos. Nos últimos 10 anos, foram 7.012 licenças concedidas, 549 em 2019. “Temos uma média semanal de 12 licenças e autorizações, que correspondem a mais de duas por dia. Não acho pouco, em relação aos estados, que têm um número de licenciamento muito maior porque concentram maior parcela dos procedimentos. Só Minas Gerais e São Paulo devem ter mais de 30 mil processos em andamento cada um”, destaca Jônatas.

Em novembro de 2019, o Ministério Público Federal recomendou autorização para abertura de concurso público a fim de repor a força de trabalho do IBAMA, contudo, até o momento, o cronograma do concurso não foi divulgado.

O que fazer?

O IBAMA trabalha com alternativas administrativas para solucionar o problema provocado pela falta de equipe e dar agilidade às licenças. Uma delas é a implantação de um sistema para gestão dos processos, afirma Jônatas. A partir deste sistema, previsto para implantação completa até julho de 2020, o órgão vai ter mais controle sobre as demandas, catalogadas por tipo de licenças, prazos e prioridades. "Conseguiremos enxergar todas as demandas que entram no IBAMA, saber quantas entraram, qual o prazo que demorou, manifestações e diagnóstico completo. Hoje eu não consigo ter essa separação, tenho uma carência de sistema, que não é só no IBAMA, mas em muitos órgãos púbicos. O sistema vai automatizar algumas etapas e diminuir a dependência do técnico nas atividades administrativas, deixando-o focado nas análises”, explica Jônatas. Além de maior controle das demandas, a nova metodologia promete dar maior eficiência ao trabalho do IBAMA.

Em auditoria realizada em 2019, o Tribunal de Contas da União (TCU), também avaliou os licenciamentos federais, sob responsabilidade do IBAMA, apontou que o órgão cumpriu o prazo legal de 75% dos processos relacionados aos sistemas de transmissão de energia e levou mais tempo para o licenciamento de construção de rodovias. No primeiro caso, o tempo médio de análise foi de quase um ano e no segundo, um ano e meio.

As conclusões do relatório corroboram com as previsões dos órgãos: parte da demora é responsabilidade dos empreendedores, que levam muito tempo para fazer as correções solicitadas nos estudos, e também do período de análise de órgãos intervenientes, por causa da precariedade institucional.

Do outro lado do balcão

Empreendedores em busca de licenças ambientais têm outras respostas para os atrasos nos projetos e acabam devolvendo a responsabilidade aos fiscalizadores. Eles alegam que o rito dos órgãos ambientais para emissão das licenças precisa ser mais claro e objetivo para evitar retrabalho, o grande responsável pelos atrasos das licenças e pelos gastos para elaboração dos estudos.

O presidente da Brasil Sul Energia, Sociedade de Propósito Específico que reúne 200 investidores em geração de energia no Oeste de Santa Catarina, Rousty Rolim de Moura, afirma que a falta de clareza nas solicitações técnicas dos órgãos ambientais tem dobrado o prazo legal das licenças. Segundo ele, as licenças para a construção de Centrais de Geração Hidráulica – até 5 MW de energia (CGHs) estão levando cinco anos para serem emitidas pelos órgãos estaduais, três a mais do estipulado. Já para as Pequenas Centrais Hidrelétricas - até 30 MW de energia (PCHs), o prazo chega a 10 anos, ultrapassando a média brasileira para emissão de licenças para Usina Hidrelétrica – geração acima de 30 MW (UHE), estipulada em nove anos (superior ao prazo legal/ideal de três anos).

“Nós entregamos os estudos solicitados, seguimos o rito processual estabelecido com acompanhamento e assessoria da engenharia ambiental. O que acontece é que o estudo, primeira etapa do Licenciamento Ambiental Prévio (LAP), retorna com muitos complementos”, argumenta Rousty. Além de um procedimento mais ágil e mais claro pelos órgãos ambientais, Rousty cita a necessidade do uso da tecnologia e do compartilhamento dos estudos e dados semelhantes como alternativa para melhorar os processos de emissão das licenças.

Nova legislação em análise 

Em busca de padronização de prazos fixos para agilizar o licenciamento ambiental no Brasil, tramita, desde 2004, na Câmara dos Deputados, a proposta de Lei Geral do Licenciamento (PL 3.729), que está na quarta versão do texto e tem gerado debates acalorados no País. O PL visa atualizar a Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Há quem alegue que reduzir prazos pode flexibilizar as regras e causar desproteção, porém, por outro lado, tem-se a defesa como alternativa segura para aumentar a eficiência administrativa no setor. 

Para o advogado, mestre em Direito Ambiental e especialista em Gestão Ambiental, Fabrício Soler, a nova legislação representa o aperfeiçoamento dos procedimentos de licenciamento ambiental e dos estudos ambientais, com a fixação de prazos bem claros e objetivos. Entre as principais alterações do texto da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, estão: redução em até 40% dos prazos para emissão das licenças; criação de licença única para prévia e instalação; criação da licença de operação corretiva para regularização de atividades sem licença em andamento; aproveitamento e simplificação dos estudos ambientais. A nova proposta de lei reduz de 12 para oito meses o prazo máximo para análise da Licença Prévia; de seis meses para três as Licenças de Instalação, Operação e Corretiva; além de quatro meses para as Licenças Unificadas (prévia e instalação).

“Hoje, o nosso sistema é conceituado como trifásico, com Licenças Prévia, de Instalação e Operação. Pela proposta de aperfeiçoamento passaríamos a ter um sistema bifásico, o que tornaria mais dinâmico e célere o licenciamento ambiental. Todas essas mudanças poderiam reduzir entre 30% e 40% o trâmite para licenciamento, o que é bastante significativo”, ressalta Soler.

Em relação às licenças corretivas, o especialista afirma que a institucionalização em âmbito federal visa regularizar atividades que não têm licença ambiental. “Ao invés de começar com Licença Prévia, Instalação, Operação, o empreendedor que já está operando, entraria com pedido de LOC (Licença de Operação Corretiva). Isso tornaria o processo mais ágil e induziria a regularização, com mais segurança jurídica, não sujeita à interpretação”, afirma. Além disso, dados e informações coletados no âmbito de um estudo ambiental poderiam ser aproveitados em estudos futuros, evitando a repetição de análises técnicas e exames do mesmo tema, complementa Soler.

Estrutura

Fabrício Soler defende que o texto proposto melhora o ambiente de regulação, traz mais segurança jurídica e proteção ao meio ambiente. Porém, concorda que a legislação por si só não é suficiente. Ela deve vir acompanhada da melhor estruturação dos órgãos ambientais e de melhores projetos apresentados pelos empreendedores. "Entendo que o novo marco do licenciamento ambiental deve vir acompanhado de um prazo de adaptação de transição para que os órgãos ambientais se preparem para implantar essas normas e passem a ter mais recursos aportados na área ambiental", defende.

O diretor de Licenciamento Ambiental do IBAMA, Jônatas Trindade, concorda. Para ele, a nova legislação proposta é uma adequação do procedimento ao tipo de atividade que está sendo licenciada e não representa flexibilização das regras. “Na verdade, a lei geral propõe procedimentos mais simplificados do que a Resolução 237/97 do CONAMA prevê atualmente. Não é flexibilizar, é uma calibração do procedimento. Não vejo como desproteção, muito pelo contrário, o controle continuaria sendo feito de forma qualificada.”

Prazos/propostas da PL 3.729

• Licença Prévia – 8 meses para estudos complexos; 4 meses para estudos simplificados
• Licença de Instalação – 3 meses
• Licença de Operação – 3 meses
• Criação de licença única prévia e de instalação (sistema bifásico) – 4 meses
• Criação de Licença de Operação Corretiva - 3 meses
• Aproveitamento/compartilhamento de estudos ambientais
• Simplificação dos estudos ambientais
* Redução de 30% a 40% do trâmite para licenciamento

Prazos atuais

• Licença Prévia – 12 meses para estudos complexos; 6 meses para estudos simplificados
• Licença de Instalação – 6 meses
• Licença de Operação – 6 meses
• Complementos/esclarecimentos – 4 meses
• Renovação – 4 meses
• Licenciamento simplificado – 60 dias

Tipos de licenças ambientais

Licença Prévia destina-se à aprovação do projeto, envolvendo a localização e viabilidade e tem prazo máximo de 5 anos.
Licença de Instalação autoriza instalação e eventuais edificações, nos termos do projeto previamente aprovado, tendo duração máxima de 6 anos.
Licença de Operação autoriza o início do funcionamento do empreendimento/obra, das atividades produtivas, com prazo mínimo de 4 anos e máximo de 10 anos

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