Postado em 09 de Julho de 2019 às 13h28

Nova onda da sustentabilidade

Resp. Ambiental (35)

Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre

Hospitais apostam em construções saudáveis, que vão além da eficiência energética e garantem mais qualidade de vida

Imagine um hospital que tenha espaço para lazer, ambientes com mais luz natural, área verde em espaço aberto, locais para descanso e convívio social que também respeitem a liberdade individual. Será que ele seria capaz de interferir no processo de tratamento dos pacientes? Esta é a aposta de uma certificação americana de arquitetura que está surgindo no Brasil: é o WELL Building Certification, considerado o primeiro certificado do mundo focado exclusivamente na saúde e no bem-estar humano.

O selo representa o que o arquiteto, consultor e professor de cursos de especialização em Construções Sustentáveis em São Paulo (INBEC/UNICID/INIP), Antonio de Macêdo Filho, chama de segunda onda da sustentabilidade, focada na qualidade de vida gerada por edificações eficientes. Criada em 2014 nos Estados Unidos, a certificação, que não se limita a hospitais, mas se estende à empresas, escritórios, hotéis, indústrias, possui apenas três empreendimentos no Brasil, todos escritórios em São Paulo. São locais que já cumprem os requisitos de construções sustentáveis, ou seja, são eficientes no consumo de água, energia, emissão de CO² e gestão de resíduos, mas também oferecem conforto e bem-estar, de olho na qualidade de vida ofertada pelo ambiente.

“São construções que, além de sustentáveis, são saudáveis. Ou seja, elas já cumpriram a primeira onda de sustentabilidade que é a eficiência energética e agora focam na segunda onda, a que gera saúde, conforto e bem-estar. Se antes a preocupação era reduzir o consumo, economizar água e energia, agora é ter água, ar e luz de melhor qualidade. A saúde passa a ser essencial”, explica o professor.

Essa nova onda na arquitetura coloca as pessoas no centro dos projetos e resulta de sete anos de pesquisa envolvendo cientistas, médicos e arquitetos. A certificação é um avanço dos demais selos sustentáveis que até então se concentravam na relação entre edifícios e o ambiente e que agora reconhecem a relação edifícios e ocupantes.

O que são construções sustentáveis?

Para assimilar a segunda onda da sustentabilidade é preciso entender a primeira, que é a certificação de construções sustentáveis. No Brasil, cinco normas concedem os selos de edificações eficientes, entre eles: BREEAM, LEED (Lidership in Energy and Environmental Design), emitido pelo Green Building Concil Brasil - um dos 21 membros da rede global reconhecida pelo World Green Building Council, maior organização mundial do setor - e o Processo AQUA (Alta Qualidade Ambiental), certificação brasileira baseada na francesa HQE (Haute Qualité Environnemetale).

As certificações são concedidas para construções que melhoram o desempenho ambiental e operacional ao utilizarem materiais específicos na obra e serviços que garantem a redução do consumo de energia e água e de emissão de CO², além da quantidade de resíduos sólidos. Isso porque, segundo Conselho Internacional de Construção, as construções são o setor das atividades humanas que mais consomem recursos naturais e causam impacto ambiental.

De acordo com estudo do Green Building Council, as construções impactam em 50% dos recursos naturais, 25% de resíduos de aterro, 12% do consumo de água, 10% de partículas transportadas pelo ar, 35% de gases de efeito estufa e 39% do uso de energia. Se forem sustentáveis, são capazes de reduzir o consumo de água em 40%, entre 24% e 50% o uso de energia, de 33% a 39% a emissão de CO² e 70% os resíduos sólidos.

Entre as ações mais importantes para a certificação das construções ambientais, que resultam nestes números, estão a escolha do terreno com respeito aos recursos naturais e à vizinhança, projeto integrado com todas as partes envolvidas na obra, coletores solares para aquecimento da água, reservatórios para captação da água da chuva, ambientes com iluminação natural, vegetação em paredes e tetos, uso de materiais com maior desempenho energético e gestão de resíduos.

Apesar de serem uma tendência e estarem em alta nos países desenvolvidos, as construções sustentáveis crescem de forma tímida e representam uma necessidade no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos, os empreendimentos sustentáveis superam 40,2 mil edificações, no Brasil, não chegam a 1.000. As edificações eficientes, aqui, estão mais concentradas no setor privado, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Segundo o professor Antonio de Macêdo Filho, a falta de legislação para tornar obrigatória no Brasil a construção sustentável responde pelo atraso.

“O Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, foi o pioneiro a criar legislação própria obrigando a adoção de normativas técnicas e concedendo incentivos para a construção sustentável. Lá, assim como em toda a Europa e nos países desenvolvidos, edificações com menor impacto ambiental e maior eficiência energética são lei, porque elas ajudam no desenvolvimento sustentável. É o que falta aqui no Brasil, onde esse processo todo é voluntário e de motivação mercadológica, na busca por melhores resultados econômicos. O que lá fora é regra, aqui é um plus”.

Para Macêdo, a criação de lei específica no Brasil impactaria em toda a cadeia sustentável, econômica e social do país.

“Existem bons exemplos no Brasil, com políticas públicas de incentivo como o IPTU Verde que reduz a taxa de IPTU para quem construir de forma sustentável, e bancos que financiam projetos sustentáveis com redução de juros. Porém, esta não deve ser uma iniciativa apenas econômica. Precisamos de legislação e de mais incentivos. Se a gente sabe que a sustentabilidade melhora a qualidade de vida, a imagem do país, o meio ambiente, a saúde, o desenvolvimento social, porque ela ainda é facultativa? Isso deveria ser obrigatório”.

Hospitais sustentáveis

Entre as construções sustentáveis no Brasil, estão os hospitais, cujos empreendimentos do setor representam o segundo maior consumo de energia por metro quadrado.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, um dos maiores da América Latina, é um dos que possuem certificação LEED GOLD de construção sustentável no país. A Torre E do hospital em São Paulo, conta com sistema solar de aquecimento de água, banheiros e jardins com utilização de água de reuso coletada das chuvas e de minas no subsolo, arquitetura projetada para maior captação de luz solar, sistema de climatização de alta eficiência, bicicletários, vagas especiais para veículos de baixa emissão e baixo consumo. O sistema implantado para reuso da água descartada no hospital, por exemplo, reduz o consumo de água em cerca de 2.000m³ por mês, correspondente a 15% do que é utilizado normalmente pela unidade paulista.

Outro hospital destaque no País em construções sustentáveis é o Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre. A instituição de saúde gera mensalmente mais de 200 tipos de resíduos e para minimizar os impactos ambientais construiu em 2017 uma Central de Transformação dentro do Hospital, com maquinário específico para tratar internamente seus resíduos infectantes, deixando de enviá-los para aterros sanitários. O projeto foi premiado e promove a destinação e o tratamento de cada tipo de resíduo, descontamina resíduos infectantes e os transforma em células de energia.

Além da Central, o Hospital possui em seu território o bosque Moinhos de Vento, área verde preservada de mais de 3 mil m², e tem o selo verde de geração de energia limpa – eólica, que já gerou economia superior a R$ 15 milhões para a instituição.

“Toda essa lógica de gestão está embasada num tripé consolidado e de relação indissociável: a sustentabilidade ambiental, social e econômico-financeira. Acreditamos que uma sociedade sustentável e socialmente justa é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas e a segurança de gerações futuras. Buscamos ser em breve um “Smart Hospital”, com soluções pioneiras e inovadoras na gestão ambiental”, destaca o superintendente administrativo do Hospital, Evandro Moraes.

O Hospital Israelita Albert Einstein é outro exemplo. O Pavilhão Vicky e Joseph Safra, na unidade do Morumbi, também em São Paulo, possui a certificação LEED. A estrutura conta com gerenciamento da descarga de águas pluviais, utilização de reservatórios de retardo e jardins em toda a cobertura do edifício, que reduzem 30% do volume de água da chuva enviado para a rede pública e ajudam a evitar o desperdício de água e enchentes na região. Postos de recolhimento de lixo reciclável em diversos andares e uma pequena usina de classificação e compactação desse material também integram o projeto.

Além destes, há construções hospitalares sustentáveis em todo país, com certificação de pelo menos 12 unidades e outras 17 em análise. Segundo Antonio de Macêdo Filho, consultor da EcoBuilding de São Paulo que trabalha com certificação LEED, por se tratar de saúde, os hospitais são os que melhor atendem às duas ondas da sustentabilidade, cuja eficiência energética é utilizada para o conforto e bem-estar dos pacientes.

“A certificação LEED dos hospitais traz indicadores que ficam mais evidentes ainda na certificação Well, muito além da eficiência energética. O acesso a espaços abertos, com áreas verdes, onde o paciente pode andar descalço, por exemplo, podem reduzir o tempo de internação. O simples fato de pisar na grama após um longo período internado, provoca no cérebro do paciente a liberação de hormônios tipo dopamina, que correspondem ao prazer, o que ajuda nos resultados do tratamento. Pessoas em ambientes fechados podem ter distúrbios gástricos e hormonais que espaços com luz natural podem prevenir. São pequenas ações pensadas para aliar as edificações e a qualidade de vida das pessoas que as ocupam”.

Hospital Oswaldo Cruz, São Paulo

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