Postado em 18 de Dezembro de 2019 às 14h22

Mercado Eco Fashion!

Resp. Ambiental (35)

Moda sustentável ganha as prateleiras e desperta indústria têxtil para produção e consumo conscientes

Por Keli Magri

Quantas peças de roupa nova você compra por ano? Qual o tempo de uso delas? O que você faz quando não servem mais? Estas perguntas formam o tripé da moda sustentável ou do mercado Eco Faschion que está em ascensão no mundo todo, acompanhando a onda da sustentabilidade que desafia o planeta a repensar ações e atitudes. Produzir de forma menos impactante ao meio ambiente, consumir menos e de maneira mais consciente norteiam o segmento que questiona hábitos e veste ideias.

Segundo o World Resources Institute, um instituto de pesquisas sem fins lucrativos, a indústria da moda produz 20 peças de roupa por pessoa por ano no mundo. São 383 milhões de peças diárias e 140 bilhões anuais. Deste total, estima-se que menos de 20% seja reutilizada ou reciclada. Todo o resto é queimado ou jogado na natureza, seja diretamente no solo ou em aterros industriais. Os resultados são a maior emissão de gases de feito estufa e a poluição da água e do solo. Não é à toa que a indústria têxtil é a maior poluidora da água do planeta, com o uso de 20 mil diferentes produtos químicos.

É de olho na redução deste impacto ambiental que o mercado da moda começou a despertar para medidas mais sustentáveis. O avanço é tímido ainda e atinge especialmente empresas de pequeno e médio portes. Estudos das organizações Global Fashion Agenda estimam que menos de 40% da empresas estão repensando sua cadeia produtiva no mundo.

A loja da empresária Fabiana Muranaka, de Curitiba, é uma delas. Com matéria prima e insumos não poluentes, malha de algodão orgânico ou fibras naturais e tecidos biodegradáveis e reciclados, a empresa iniciada em 2016 produz todo tipo de camisetas. As peças também reutilizam retalhos, variam no corte e recebem estamparia com tintas de pigmentos naturais, à base d`água e de origem vegetal. Tudo para gerar menos lixo, poluir menos e “vender” um conceito além da marca.

“A gente segue a máxima de que a roupa mais sustentável é aquela que já existe. Praticamos um pouco de upcycling (reutilização criativa) dentro da própria marca, ressignificando o descarte e desenvolvendo modelagem diferenciada para que não sobrem retalhos. O meu desafio agora é modelagem Zero Waste (sem desperdício), por isso estou tentando modelar camisetas somente com quadrados e retângulos para tentar não gerar lixo ou descarte algum no processo de corte. O resultado são camisetas em diferentes variações e modelagens.

Desejamos ultrapassar a barreira do mesmo, do ciclo de exageros, produzindo e consumindo com mais responsabilidade. Imagine se todo mundo gostar de uma camiseta que gere menos lixo? É incrível!”, desafia a empresária ao detalhar que todas as malhas de algodão puro se biodegradam em um ano, quando descartadas.

Técnica ecoprint e descarte consciente

Os retalhos não reutilizados na confecção das camisetas da empresa de Fabiana são separados por tamanho e cor e destinados para associações e cooperativas de artesãs localizadas na região metropolitana de Curitiba. Lá, são reaproveitados.

A empresária conta que uma das técnicas que têm despertado a atenção dos consumidores preocupados com a questão ambiental é a de tingimento vegetal, chamada ecoprint, criada pela artesã Rejane Motta. A técnica usada em estampas utiliza folhas para pigmentar a roupa.

“A gente pega folhas caídas, arruma em cima do tecido, dobra, coloca para cozinhar por horas e horas numa solução com água e vinagre, pendura e deixa secar em torno de 10 dias, dependendo da umidade da época. Depois, abrimos e retiramos as folhas, imprimindo a marca delas na roupa. É uma técnica muito antiga que está voltando com força para decoração e vestimenta, tanto pela causa quanto pelo processo de produção”, relata.
Para Fabiana, o mercado Eco Fashion está em expansão e, embora o preço mais alto ainda seja um entrave para a mudança de hábitos de consumo, há uma predisposição maior das pessoas a usarem roupas que expõem ideias e conceitos.

“Quando comecei eu via a moda sustentável como uma tendência de mercado. Hoje em dia é uma necessidade. Ouvi uma vez um especialista falando sobre orgânicos e perguntaram para ele por que o orgânico era tão caro. Ele respondeu: você deveria perguntar por que o outro é tão barato. Qual o custo da sua roupa? Pergunte-se isso antes de comprar. Qual o dano ou o lucro que ela está trazendo para o planeta?”.

“É uma mudança de hábito”

Podem ser brechós, compartilhamento de peças, reaproveitamento de retalhos, feiras de usados ou até o consumo colaborativo de roupas por aplicativos. Essas ideias estão espalhadas pelo Brasil e têm ganhado cada vez mais adeptos, especialmente do público vegetariano e vegano que já soma 14% da população brasileira.

Só para citar alguns exemplos, em São Paulo, um aplicativo de roupas funciona quase como um de paquera: a pessoa posta as imagens de suas peças usadas, navega entre as milhares de opções e, quando der match com quem também se interessou por seus itens, combina a entrega. Também na maior cidade do Brasil, um guarda-roupas compartilhado permite o aluguel de roupas por até 15 dias. No Rio de Janeiro, um ateliê transforma resíduos de roupas em peças novas e um bazar de trocas de roupas acabou se transformando em festival de moda sustentável.

É nesta onda que a bióloga Marina Petzen acredita. Ela abriu há dois anos uma loja no centro de Chapecó, oeste de Santa Catarina, de produtos que tenham matéria prima, processo produtivo ou intenção sustentáveis. A empresa comercializa vestuário masculino, feminino e infantil, com algodão orgânico e reciclado, poliéster de garrafa pet e fibras de madeira; calçados de tecido reaproveitado da indústria têxtil e solas de corda e cortiça; itens de cosméticos com produção artesanal; itens de uso único pensado na redução do descartável e até composteiras.

As camisetas, babylooks e ecobags têm marca própria e são produzidas em Chapecó. Os demais produtos revendidos são de 15 fornecedores do Brasil que seguem produção sustentável. Já as composteiras, são um plus do negócio de Marina que também incentiva o descarte correto de resíduos, através da coleta na loja.

“As coisas aqui não são pautadas na moda, na troca de estações ou coleções. Porque é isso que faz com que o descarte na indústria da moda seja grande. Nas grandes fábricas de jeans, por exemplo, as coleções trocam a cada 13 dias, são toneladas de jeans que vão pro lixo ou aterro industrial. A nossa intenção é criar moda de estilo. Todas as peças são atemporais e podem ser usadas por qualquer pessoa em qualquer época do ano. Nos itens de uso único, a intenção é chamar as pessoas para mudarem de comportamento. Evitarem o descarte”.

Para Marina, a maior disponibilidade de fornecedores e a procura maior dos consumidores por produtos sustentáveis mostram que o mercado está conquistando mais espaço. Assim como Fabiana, ela também afirma que preço e desconhecimento ainda são entraves do setor no Brasil.

“Tem muita gente, inclusive malharias, que não conhecem o tecido eco, que não fazem ideia que existe. Isso começa a mudar. Ainda é discreto, porque o preço é um entrave, tanto do tecido quanto da logística no Brasil, que é cara. Precisamos de ajustes na questão de oferta da matéria prima para que a indústria também comece a avançar. É uma mudança de hábito, de consumo consciente. É vestir uma ideologia, acreditar num propósito e querer esse propósito para si”.

Preocupação ambiental

A indústria têxtil tem grande impacto na economia brasileira e global. No Brasil, o setor abrange 27 mil indústrias, fatura 50 bilhões por ano e emprega 1,4 milhão de trabalhadores diretos e 8 milhões indiretos, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). É o segundo maior empregador, perdendo apenas para alimentos e bebidas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil.

Porém, os impactos ambientais se equiparam à relevância econômica. A indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais de CO2, 25% da produção global de pesticidas e é a terceira indústria que mais consome água no mundo.

No Brasil, o impacto ambiental da indústria da moda atinge R$ 1,6 bilhão ao ano, de acordo com dados do Conselho Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A estimativa é de que cerca de 175 mil toneladas de resíduos têxteis são descartados por ano, dos quais apenas 20% são reutilizados ou reciclados.

No mundo, segundo a fundação britânica Ellen MacArthur, a cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de sobras de tecido é queimado ou descartado em aterros. Isso representa 500 bilhões de dólares jogados fora e a emissão de 1,2 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa por ano.

Não há dúvidas de que a indústria da moda tem uma missão pela frente que esbarra no hábito de consumo da sociedade. Resta saber se ela vai liderar a mudança de comportamento ou se vai esperar a onda da sustentabilidade abrigá-la a mudar. 

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