Postado em 09 de Julho de 2019 às 12h14

Bitucas que matam

Educação Ambiental (23)

Vilão da saúde e do meio ambiente, cigarro ultrapassa o plástico na poluição dos oceanos. Descarte correto evita contaminação e incentiva reciclagem

Keli Magri

Ao inalar fumaça, o fumante assume os riscos que o vício impõe ao organismo. A nicotina que chega de sete a 19 segundos ao cérebro, leva um minuto para alcançar os pulmões pela corrente sanguínea e espalha suas substâncias tóxicas para todo o organismo numa velocidade quase igual às introduzidas por uma injeção intravenosa, é fator de risco para 50 doenças e causa de morte de 23 pessoas por hora no Brasil e de cinco milhões por ano no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O que muitos fumantes talvez não saibam é que depois de “envenenar” o organismo, a ponta do cigarro que voou da mão do dono, passou longe da lixeira e caiu no solo pode causar um verdadeiro estrago ambiental. As bitucas que carregam mais de 4,7 mil substâncias tóxicas ajudam a entupir bueiros e a causar enchentes, podem provocar incêndios, desiquilibram a produção de oxigênio na degradação natural, contaminam lençóis freáticos, causam impactos toxicológicos e matam animais.

Não é por nada que o cigarro assumiu o topo do ranking de maior agente poluidor dos mares. Segundo estudo feito pela ONG Ocean Conservancy, as bitucas equivalem a um terço de todo o lixo recolhido dos oceanos e mais do que produtos plásticos, tampas de garrafas, recipientes, talheres e garrafas somados. A pergunta que surge é: quem assume esse dano?

Apesar de o impacto ambiental envolver todo o planeta, a responsabilidade pode ser atribuída aos 1,6 bilhão de fumantes no mundo, que descartam cerca de 12,3 bilhões de bitucas por dia, uma média de 7,7 cada um. O número descartado incorretamente corresponde a dois terços da produção anual de cigarros em todo o mundo (que é de 5,6 trilhões).

Dá pra imaginar essa quantidade toda sendo levada pela chuva e alcançando os mares? Estudo feito desde 1986 pela Ocean Conservancy não só imagina, mas a concretiza. Ao longo de 32 anos de pesquisa, foram coletados mais de 60 milhões de bitucas nos mares e encontrados resíduos de cigarro em 70% das aves marinhas e 30% das tartarugas marinhas. São resultados que colocam o tabaco como novo vilão do meio ambiente.

Danos ambientais

De acordo com professor de Engenharia Ambiental da Universidade da Fronteira Sul (UFFS), Marlon Luiz Neves da Silva, as substâncias tóxicas que compõem o cigarro causam desiquilíbrio ambiental e ecológico que impacta diretamente na contaminação do solo, rios, córregos e oceanos. Boa parte dos cigarros é biodegradável, como o papel que o envolve, porém, o fato de 95% dos filtros serem compostos de acetato de celulose, de difícil degradação, aumenta os riscos de contaminação, porque eleva o tempo de decomposição, que, em média, é de cinco anos. 

“Mesmo no processo de biodegradação, quando há maior quantidade de compostos orgânicos, há um desequilíbrio ambiental, porque os microrganismos vivos como bactérias e fungos, que utilizam esse material biodegradável como fonte de nutrientes para a realização de suas atividades metabólicas, precisam de mais oxigênio. Isso faz com que falte oxigênio para as demais espécies. É isso que causa a mortandade de peixes, por exemplo. Os animais também confundem esses materiais com alimentos, o que interfere na cadeia alimentar e desiquilibra o meio ambiente”, detalha Silva ao estender a explicação aos impactos toxicológicos causados pelo cigarro no solo e nos mares.

“Os cigarros possuem substâncias químicas, metais pesados como cádmio, utilizado em baterias de automóveis, polônio 220 que é radioativo, benzeno que está presente em pesticidas. Essas substâncias não são biodegradáveis, mas tóxicas, contaminantes e poluidoras”.

Mas qual é o descarte correto?

A regra mais simples para evitar os impactos ambientais do cigarro é jogá-lo no lixo. De lá, ele é coletado e destinado aos aterros sanitários. Porém, o que muitos ainda não sabem é que as bitucas podem ser recicladas. Já existem cidades no Brasil e no mundo que instalaram bituqueiras para coletar os cigarros, tratá-los para eliminar as substâncias químicas e transformá-los em papel, plástico, ou em mantas de sustentação para a recuperação de áreas degradadas e até em material utilizado na geração e no armazenamento de energia elétrica.

A Capital Gaúcha, Porto Alegre, foi a primeira cidade brasileira a instalar as bituqueiras e reciclar as pontas de cigarro para usá-las na geração de energia. Em 2015, foram instaladas as primeiras 39 e hoje já são 300. A cidade também conta com bituqueiras portáteis para automóveis ou bolsas e aplica multa de R$297,35 para quem descartar as bitucas no chão.

Florianópolis é outra capital que também disponibiliza, desde 2016, bituqueiras para a reciclagem do cigarro. Na cidade, são 195 bituqueiras em áreas comerciais e 86 nas praias, cujo material reciclado também é usado na geração de energia. Só na temporada de verão, Floripa recolhe três milhões de bitucas, de acordo com Comcap (Companhia Melhoramentos da Capital), responsável pela coleta.

Na Coreia do Sul, as bitucas são utilizadas para armazenar energia, ao alimentarem supercapacitadores, que são substitutos de alta tecnologia para as baterias. Em estados como Canadá, Nova Jersey, Estados Unidos, Espanha, Dinamarca, França e Alemanha, o acetato de celulose presentes nos filtros das bitucas é utilizado para a produção de plástico.

“As pessoas esquecem que o cigarro é um resíduo. É desagradável ver tantas bitucas jogadas nas ruas, sabendo que elas podem ser recicladas. Na pior das hipóteses, é só carregar consigo e jogar na lixeira”, alerta o engenheiro ambiental Marlon Luiz Neves da Silva. 

Porto Alegre foi a primeira cidade brasileira a instalar bituqueiras em 2015

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