Postado em 16 de Abril de 2018 às 16h48

O Mal do Século

Especial (28)

Considerada a grande patologia desta geração, a depressão lidera a lista de doenças incapacitantes e atinge mais de 320 milhões de pessoas.

Por Carol Bonamigo

Há quase 18 anos, Fernando da Silva Smaniotto convive com os pensamentos pessimistas que o assombram. Situações que ameaçam sua segurança, doenças terminais incuráveis, autodepreciação e punições divinas permeiam a sua mente a cada instante. Basta uma hora de conversa com o garçom de 30 anos para se compadecer da exaustão que deve ser lidar com este pandemônio em sua mente. E isso sequer arranha a superfície do que Fernando tem lutado por mais da metade de sua vida.

Ele conta que, por volta de seus 12 anos, oito parentes próximos faleceram vítimas de câncer em menos de dois anos. Se isso não foi o suficiente para assustá-lo enquanto criança, havia ainda uma pré-disposição de transtornos mentais, devido ao histórico familiar – seu pai fora diagnosticado com depressão anos antes. “Tinha pensamentos pessimistas recorrentes, que ficaria doente e iria morrer. Não conseguia dormir, dominado pela ansiedade e o medo. Chegou ao ponto de meus pais me levarem a fazer uma consulta com um psiquiatra e fui diagnosticado com depressão, hipocondria e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Isso aos 13 anos de idade”, recorda.

Mesmo com tratamento especializado, Fernando demorou a achar seu ponto de equilíbrio em meio às crises frequentes. “Nessas crises sentia um embrulho no estômago e não conseguia comer, ficava fraco e, quando deitava na cama, a palpitação no peito não me deixava dormir. Emagreci bastante e estava sempre abatido. Até os 16 anos era muito tímido e retraído, e esses problemas acabaram me afastando de todos. Não saía de casa e quando saía não conseguia me divertir”.

Essa angústia durou muito tempo. Curioso, estudioso e de família religiosa, quanto mais procurava aprender sobre seus transtornos, mais se desesperava. Sempre esperando o pior e levando as informações ao pé da letra, nem mesmo a Bíblia proporcionava conforto. “Pela maior parte da minha vida, ou eu acreditei que iria morrer de uma doença terrível ou que iria para o inferno. Situações que iriam me impossibilitar de ter uma vida feliz e satisfatória. Isso se estendeu até meus 22 anos”, recorda.

Um grito de socorro

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente Um grito de socorro Apesar da depressão ser uma doença que tende a isolar o indivíduo, como Fernando mesmo descreve, ele não está só, pelo menos não em...

Apesar da depressão ser uma doença que tende a isolar o indivíduo, como Fernando mesmo descreve, ele não está só, pelo menos não em estatísticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos de depressão aumentaram 18% na última década, sendo hoje a maior causa de incapacitação no mundo. Estima-se que mais de 322 milhões de pessoas vivam com a doença ao redor do globo. No Brasil, 75,3 mil trabalhadores foram afastados por causa de depressão, em 2016. Esse número equivale a 37,8% de todas as licenças médicas apresentadas no ano e que deram direito a recebimento de auxílio-doença em casos esporádicos ou recorrentes.

De acordo com o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, superintendente técnico e diretor tesoureiro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL), a depressão é, na maioria dos casos, uma doença silenciosa, porém é o transtorno psiquiátrico mais frequente em todo o mundo. O médico explica que o diagnóstico é feito durante a consulta com psiquiatra, através da identificação dos sintomas da doença, como a tristeza persistente, falta de ânimo para realização de atividades que antes eram prazerosas, alterações de sono, apetite, libido, entre outros. “A tristeza é apenas um dos sintomas da depressão e deve ser observada quando, em média, persiste por mais de duas semanas. Devemos nos atentar se o indivíduo apresenta sentimentos de culpa ou de baixa autoestima, além da redução da energia e dificuldades de concentração. É importante deixar claro que a depressão não é um mal-estar passageiro, é uma doença séria e que precisa de tratamento adequado”, afirma.

E este tratamento é realizado de maneira individual, por isso é imprescindível a avaliação médica de um psiquiatra, que irá receitar o método mais adequado aos sintomas apresentados, dependendo da gravidade do caso e as particularidades do paciente. “Casos de depressão acarretam prejuízo nas atividades laborais e sociais, dificuldades de relacionamentos pessoal e familiar. Quadros mais graves também apresentam ideação suicida, sendo que muitos encerram sua vida precocemente em morte por suicídio”, alerta Geraldo da Silva.

Atenta para essa realidade, a OMS lançou, no ano passado, a campanha “Vamos Conversar”, destacando a importância em dar o primeiro passo e procurar ajuda. A iniciativa assume o estigma existente acerca dos transtornos mentais e tenta elucidar esse cenário discriminatório. Fernando confirma esse contexto e conta que acabou se excluindo também por conta do preconceito. “Algumas pessoas se afastaram de mim, outras tiravam sarro. Quando eu chegava falavam ‘lá vem o louco’”, lembra.

Uma discriminação que acaba inibindo o próprio paciente de buscar auxílio. “A banalização do termo ‘depressão’ deve-se, principalmente, à Psicofobia, mas também à falta de informação correta sobre o tema. Quanto mais conseguirmos chegar à população com esclarecimentos sobre os transtornos psiquiátricos, melhor será a compreensão e maior a procura por assistência médica”, opina Geraldo da Silva.

De acordo com a OMS, cerca de 5,8% da população brasileira sofre de depressão – um total de 11,5 milhões de casos. O índice é o maior na América Latina e o segundo maior nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos, que registram 5,9% da população com o transtorno e um total de 17,4 milhões de casos.

A busca por ajuda

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente A busca por ajuda Para a psicóloga Vera Regina Lignelli Otero, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), o organismo da pessoa deprimida vai deixando de produzir neurotransmissores como a...

Para a psicóloga Vera Regina Lignelli Otero, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), o organismo da pessoa deprimida vai deixando de produzir neurotransmissores como a serotonina, responsável, dentre outras sensações, pelo prazer. E como resposta a essa condição, perde-se, gradativamente, as capacidades de interagir, de se concentrar, de exercer algum cargo, de executar algum trabalho, do mais simples ao mais complexo. “Na medida em que a pessoa percebe o que está acontecendo com ela, não tem ‘força’ e não sabe como sair dessa situação, sua condição vai se agravando com a diminuição quase total do repertório comportamental, podendo chegar ao extremo de não querer comer, não querer tomar banho e, muitas vezes, querer morrer. É a constatação da própria incapacidade e incompetência para viver”, observa.

Mesmo assim, dados da OMS revelam que menos da metade das pessoas diagnosticadas no mundo – e, em alguns países, menos de 10% dos casos – recebe ajuda médica. As barreiras incluem falta de recursos, falta de profissionais capacitados e o estigma social associado a transtornos mentais.

Segundo o psiquiatra Geraldo da Silva, quadros mais leves, tanto de ansiedade como de depressão, podem ser tratados com psicoterapia ou com terapia medicamentosa, mas estudos apontam que a associação de ambos apresenta resultado ainda melhor. Casos mais graves são tratados obrigatoriamente com medicamentos, que levam algumas semanas antes de apresentar efeito. “Por isso, nada de abandonar o tratamento quando começar a se senti r melhor. Para todos os tipos de depressão e ansiedade, é necessário manter o tratamento por alguns meses mesmo após a melhora dos sintomas, o que evita recaídas”.

Foi com essa combinação de tratamentos que Fernando tem conseguido, como ele diz, “ter uma vida próxima do normal”. “Quando iniciei a terapia, tive muito medo do julgamento do próprio profissional quanto a minha situação. Mas me ajudou muito, principalmente com as técnicas de relaxamento e ressignificação dos fatos. Às vezes, o que temos é uma deficiência orgânica, e a medicação atua para equilibrar isso. O maior problema para quem sofre de depressão, é que ignoramos a doença por muito tempo. Geralmente pensamos que não tem nada de errado conosco, que esses pensamentos de autossabotagem estão certos. Então o obstáculo é não aceitar e achar que está no controle, quando na verdade não está”.

Com a Terapia Cognitiva Comportamental, o garçom aprendeu a se autoanalisar, tentar enxergar fora de si e entender a situação em que está inserido. “Ajudou a controlar comportamentos que eram ‘gatilhos’ para as crises e aprendi a conviver com a situação. É difícil, só quem vive essa situação para saber como é. A primeira coisa é se conhecer e se aceitar. E autoconhecimento é um aprendizado constante”, reflete.

Aprendizado este que Fernando não cansa de buscar. “Como na Oração da Serenidade, comecei a aceitar o que não posso mudar na minha vida, que está além do meu alcance, e aceitar o meu passado e deixá-lo para trás. Foi um reaprendizado a viver. Estou reaprendendo até hoje. Tive um grande avanço, mas ainda tenho um longo caminho a percorrer. A depressão é uma doença cuja finalidade é te isolar do mundo, então você não pode alimentá-la. Eu alimentei a doença por muito tempo, agora não mais”, declara, vitorioso.

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