Postado em 10 de Julho de 2020 às 10h52

Engenharia verde no tratamento de esgoto

Energia Limpa (9)

Processos eficientes e de baixo custo usam plantas para esgotamento sanitário 

A ausência de tratamento de esgoto é um dos maiores problemas ambientais do Brasil. Seu descarte irregular é o tipo mais capilarizado de poluição hídrica, assegura João Pedro Pinheiro, Mestre em Perícias Criminais Ambientais.

Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apenas 46% de todo o volume de esgoto recebe destinação final correta. O restante é lançado na natureza, causando impactos à saúde, ao meio ambiente e aos cofres públicos. Isso se deve a vários motivos, dentre eles, à inexistência do fornecimento de serviços coletivos (estatais ou privados) de tratamento de esgoto doméstico convencional a núcleos habitacionais afastados dos centros urbanos.

Métodos alternativos de tratamento descentralizado de esgoto doméstico, comprovadamente eficazes quando bem aplicados, têm despertado interesse de empresários, cidadãos e do poder público: condomínios distantes dos grandes centros, propriedades rurais, bairros periféricos, concessionárias de rodovias, indústrias e até escolas públicas vêm optando por tecnologias verdes de baixo custo e manutenção.

É o caso dos jardins filtrantes, wetlands ou tratamento de efluentes por zonas de raiz, nos quais, plantas aquáticas como junco, copo-de-leite, helicônia, papiro, aguapés, fazem o trabalho de produtos químicos no processo de esgotamento sanitário. “São sistemas simples que imitam a natureza, baseados na capacidade depuradora de áreas alagadas naturais, como os brejos. Plantas e micro-organismos trabalham juntos para descontaminar a água, sem a necessidade de qualquer adição de produtos químicos no tratamento”, elucida Wilson Tadeu Lopes da Silva, pesquisador da Embrapa, Doutor em Química Ambiental e Saneamento Básico Rural.

A ideia não é nova. O tratamento de esgotos sanitário sem uso de produtos químicos vem sendo utilizado há tempos em outros países, como China, Estados Unidos e países europeus. O Brasil conta com várias instalações, porém, a tecnologia ainda é pouco difundida no meio empresarial e urbano. Já no ambiente rural, desde o ano 2000, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolve propostas como estas: “São tecnologias já apropriadas pela sociedade e que, aos poucos, tornam-se referência para políticas públicas”, analisa Wilson Silva. 

A Arteris Litoral Sul, concessionária responsável pela administração de rodovias, implantou o sistema em 2015 no posto da Polícia Rodoviária Federal do Contorno Leste de Curitiba, em Piraquara/PR. Atualmente, são 14 estações de zonas de raízes em prédios da concessionária em municípios do Paraná e Santa Catarina. “A implantação dos sistemas melhorou a qualidade dos efluentes lançados, contribuindo para a preservação dos recursos hídricos”, informa Alcio Schlickmann, biólogo e analista de meio ambienta da Arteris.

Técnica alternativa

O esgotamento por zona de raízes é um tratamento complementar de fluxo horizontal do efluente sanitário, no qual os efluentes são filtrados pelas raízes das plantas antes de serem devolvidos para a natureza. O sistema é eficaz para o tratamento da “água cinza”, proveniente de pias, chuveiros, lavanderias, da “água negra”, oriunda de vasos sanitários, e de alguns tipos de efluentes industriais.

A engenheira ambiental Silmara Ghiggi Ramos, da Profissional Gestão Ambiental, explica que no sistema de esgotamento por raiz, os efluentes passam por um tanque séptico com filtro anaeróbio (livre de oxigênio) para retenção dos sólidos. Uma vez no tanque de raízes (leito filtrante), recebe três tipos de tratamentos: o físico realizado por um filtro; o químico, ocasionado naturalmente pelo sequestro e fixação de nitrogênio e fósforo; e o biológico feito por bactérias que se alimentam de matéria orgânica.

O sistema é dimensionado pela quantidade de efluentes a serem tratados. “Se gera 30 litros/hora, o sistema vai tratar o mesmo. A poda das plantas deve ocorrer uma ou duas vezes ao ano, dependendo do crescimento e o lodo, depositado na fossa filtro, deve ser retirado uma vez ao ano, por empresa especializada. Estes jardins filtrantes podem durar 30 anos sem necessitar a troca do leito filtrante”, diz Silmara.

As plantas ajudam na decomposição da matéria orgânica e levam oxigênio ao sistema por meio de suas raízes. Como o esgoto passa abaixo do solo, o sistema não provoca odores. “Um jardim filtrante bem manejado é muito bonito e não atrai insetos característicos de esgoto, como baratas ou moscas, por exemplo. Muita gente passa ao lado de um jardim filtrante e não percebe que é um sistema de tratamento de esgoto”, conta Wilson.

Vantagens

De acordo com Silmara, os jardins filtrantes contribuem para a proteção ambiental ao evitar a poluição dos rios e solos. “Se queremos água limpa nas nossas casas, como devolver à natureza efluentes sem o mínimo de tratamento?”, questiona Silmara. Wilson acrescenta a vantagem paisagística e afirma que as plantas ornamentais produzidas no jardim filtrante podem ter valor comercial. Dependendo dos efluentes a serem tratados e plantas utilizadas, ao final do processo, a água residual pode ser utilizada em lagoas paisagísticas, lavagem de calçadas, galpões e maquinários, irrigação de pomares, jardins e áreas agrícolas.

Licença ambiental


No final de junho, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 4.162/2019 que atualiza o marco regulatório do saneamento básico. Tecnologias de saneamento ecológico não foram incluídas no texto-base. Silmara afirma que o tratamento por zona de raiz é complementar ao que é mencionado no texto-base do PL do saneamento básico, mas que não há restrições legais, desde que o processo seja concomitante aos previstos em lei e atenda aos critérios ambientais legais quanto aos padrões de lançamento de efluente. Quanto à necessidade de licenças ambientais, segundo Silmara é preciso avaliar onde a estação será instalada.
 

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