Postado em 09 de Julho de 2019 às 13h35

A revolução das hortas!

Inovação (20)

Horta urbana em Curitiba (Daniel Castellano)

Projeto de Agricultura Urbana permite plantio em calçadas e espaços públicos e privados em Curitiba. Já são 112 hortas e 1.000 agricultores urbanos em 20 hectares de cultivo dentro da cidade

Keli Magri

O que começou com uma notificação da Prefeitura por plantio irregular em espaço público se transformou no maior projeto de Agricultura Urbana do país. Um pé de bananeira e algumas hortaliças plantadas no recuo da calçada deram origem a expansão de hortas comunitárias dentro do perímetro urbano e iniciaram uma transformação social e ambiental na capital paranaense, Curitiba.

Ricardo Leinig lembra muito bem como tudo começou, ainda em 2017. O biólogo e ativista da agricultura urbana teve a ideia de fazer uma horta no espaço ocioso de uma calçada, que avistava da sua janela, no bairro Cristo Rei. A pequena área, em frente a um terreno baldio, numa rua pouco movimentada, tinha espaço de terra vazio entre a calçada e o muro do terreno e era perfeita para o plantio.

“Em todos os lugares que passei, sempre tive esse hábito de plantar. Quando olhei pela janela e vi aquela área ociosa, com cara de abandonada, pensei ‘vou começar a plantar ali’. Depois, falei com o dono do terreno e ele consentiu e aí foram aparecendo pessoas interessadas perguntando se podiam plantar também. Eu disse que seria uma horta comunitária e que o espaço era público, portanto, de todo mundo”.

Porém, uma denúncia anônima mudou o cenário. A Prefeitura alegou que o passeio público só permitia o plantio de grama e a construção de calçada, e vedava o cultivo de plantas por obstruir a passagem, o que resultou em uma notificação ao dono do terreno por plantio irregular.

“A partir disso, procuramos todos os órgãos públicos para justificar que a legislação permite áreas de paisagismo nos passeios e que a horta não estava obstruindo a passagem. Fizemos um abaixo-assinado com quatro mil assinaturas pedindo a manutenção da horta. Todos os coletivos de hortas da cidade e ativistas ambientais se uniram e fizemos uma grande mobilização que ganhou visibilidade na imprensa e apoio da população”, conta Ricardo.

Os protestos também despertaram a atenção do poder público que acabou revendo sua posição e suspendendo as notificações para estudar uma maneira de regularizar a atividade. Surgia aí o projeto de Agricultura Urbana de Curitiba, construído de forma integrada pela sociedade civil, Legislativo e Executivo, com a inclusão do cultivo em espaços públicos. Da mudança de postura para a consagração das hortas, a evolução foi rápida. Atualmente, na capital paranaense, já são 27 hortas comunitárias, 85 hortas em escolas, 1.000 agricultores urbanos e 20 hectares de cultivo dentro da cidade, quase metade de todo território urbano de Curitiba (43,2 hectares ou 432 km²).

“É uma mudança de paradigma que está apontando lá no horizonte a volta do equilíbrio entre produção e consumo nas cidades. Afinal, são os hábitos urbanos de consumo que causam a degradação do meio ambiente. Aproximar natureza e cultura urbana é mudar isso”, defende Ricardo.

A regulamentação do sistema de agricultura urbana em Curitiba contempla hortas urbanas (hortaliças sem agrotóxicos), jardinagem urbana (plantas alimentícias não convencionais), silvicultura urbana (árvores frutíferas nativas) e meliponicultura (produção de mel por abelhas sem ferrão, que produzem mel de melhor qualidade e de valor maior de mercado). A produção com incentivo público recebe acompanhamento da Prefeitura e de quatro universidades: Universidade Federal de Curitiba (UFPR), PUC-PR, Instituto Tecnológico e Educacional de Curitiba (ITECNE) e Universidade Positivo.

Moradores se engajam

A sete quadras da horta comunitária na calçada do bairro Cristo Rei, a pesquisadora e uma das voluntárias do projeto, Ana Carolina Benelli, participou de todo o processo de implantação da horta e vê o crescimento da agricultura urbana em Curitiba como uma das bases para o desenvolvimento. Já são 50 voluntários que ajudam a manter a horta e se beneficiam do plantio.

“A cidade é feita de gente e por isso é importante mesclar o espaço urbano com espaços verdes comunitários. Estar mais em contato com a natureza, mexer com hortas, poder comer alimentos mais saudáveis é algo que dá prazer”, lança ela, que não abre mão de verduras e legumes diretos da horta e que vê a cidade se transformar com a ação.

“Essa rua era pouco movimentada e relativamente perigosa, porque ela dá para a rodovia e está entre a linha verde e a principal rua do bairro. Com a horta, a rua ganhou movimento, se tornou mais segura, além de unir e alimentar os moradores”.

Outro adepto da ideia e ativista agroecológico é o gestor comercial e morador do bairro Bom Retiro, Guilherme Scharf. Ele é um dos idealizadores e voluntários da Horta Comunitária Jacú, em funcionamento há um ano e meio em um terreno baldio do bairro. Guilherme juntou um grupo de amigos e transformou o terreno ocioso de 300 m² em um espaço de lazer para crianças e para produção agroecológica com a horta comunitária. Metade do terreno está equipado com brinquedos para os pequenos e a outra metade abriga a horta agroflorestal, mais voltada a árvores frutíferas e plantas não convencionais.

“Além de integrar campo com cidade, percebemos um grande avanço na questão envolvendo os resíduos. São toneladas a menos de lixo produzido, porque grande parte dele é usado pelos moradores no processo de compostagem e vira adubo para a horta. É um projeto social, educacional, de meio ambiente e segurança alimentar”.

É o que aponta na prática Luca Rischbieter, ativista do Parque Gomm, primeiro parque comunitário de Curitiba que também é precursor do projeto de hortas comunitárias na Capital.

“Eu moro num apartamento no bairro Batel e toda semana levo meu lixo orgânico para compostagem no Parque. Já reduzi 90% do lixo produzido. A agricultura urbana é uma realidade mundial e transforma a cidade”.

Desta forma, o que era uma iniciativa dos moradores se transformou em uma ferramenta pública estratégica de segurança alimentar e de sustentabilidade no município.

“O que acontece é educação ambiental transversal. Ao mesmo tempo em que se produz alimento, há o aproveitamento dos resíduos para compostagem, doação para associações e entidades sociais quando há excesso de produção, cooperação e cidadania entre os moradores na organização das hortas e ocupação dos espaços públicos e privados abandonados. Temos uma cidade sustentável, com menos espaços vazios e com maior qualidade de vida”, reverbera o secretário de Agricultura e Abastecimento (Smab) de Curitiba, Luiz Gusi, ao ressaltar que o município chegou a mudar o nome da pasta para Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional, tamanha importância do projeto regulamentado agora em 2019.

Projeto premiado

A partir da organização das hortas pelas comunidades, surgiu em Curitiba outro projeto de jardinagem urbana que viabilizou a venda de plantas alimentícias não convencionais (PANCs) para restaurantes da alta gastronomia. Chamado de Horta do Chef, o programa garantiu produtos frescos para os restaurantes e recursos aos agricultores para a manutenção das hortas e foi premiado em 2018 em Barcelona como uma das maiores ações de sustentabilidade do mundo.

O projeto ficou entre os quatro finalistas na categoria Ambiente Urbano, do World Smart City Awards, a maior premiação internacional de cidades inteligentes. São quatro hortas e 10 variedades de PANCs comercializados por 10 restaurantes na cidade. 

Horta Cristo Rei

Agricultura urbana une comunidade em Curitiba

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