Postado em 21 de Dezembro de 2017 às 17h34

O Destino dos Excedentes

Especial (28)

Existe o lixo e existe o resíduo. Enquanto um é descartado sem serventia alguma, o outro pode ser visto como útil ou até mesmo rentável.

Por Carol Bonamigo

Vou contar um segredo, que na verdade não deveria ser segredo para ninguém. O lixo da sua casa não vai sozinho até a lixeira. Ele precisa ser separado por você e colocado, corretamente, no local onde terá o destino apropriado. Só depois de colocar o plástico, o papel, o papelão e a latinha de refrigerante no lixo reciclável e, posteriormente, no local indicado com o mesmo seguimento na sua rua ou condomínio, que a empresa coletora tem alguma responsabilidade sobre ele. Diante desse fato nada chocante, é correto afirmar que você também é responsável pela limpeza da sua cidade, bem como pela (in)salubridade e renda de mais de 800 mil brasileiros que, de acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), sobrevivem da reciclagem.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída no País através da Lei Federal n. 12.305/2010, está em vigor há sete anos, mas ainda carece de aplicação em vários pontos. “A geração de resíduos se mantém em patamares elevados, a reciclagem ainda patina, a logística reversa não mostrou a que veio e o País tem mais de três mil municípios com destinação inadequada, apesar da proibição existente desde 1981 e do prazo estabelecido pela PNRS ter se encerrado em 2014, sem ter havido prorrogação, como alguns têm se manifestado”, confirma o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil em 2016, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

O documento é divulgado anualmente desde 2003, trazendo informações atualizadas sobre o cenário dos resíduos sólidos, sendo um importante referencial para permitir o acompanhamento da evolução histórica e conquistas do setor. “Falar de resíduos é falar sobre pessoas. Nossas vidas, o ar que respiramos, a água que bebemos, a comida que cultivamos e comemos, os recursos que derrubamos ou retiramos do solo, a limpeza de nossos arredores e especialmente das cidades em que vivemos, são todos afetados por uma fraca gestão de resíduos. Nenhum exemplo de uma cidade mal gerida é mais claro do que aquele demonstrado através de um pobre sistema de gestão de resíduos”, relata Carlos Silva Filho, diretor presidente da Abrelpe e vice-presidente da Assossiação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA), no relatório de apresentação do Panorama.

Os 50 maiores lixões do mundo afetam a vida de quase 65 milhões de pessoas, uma população do tamanho da França.

Os números referentes à geração de resíduos sólidos urbanos revelam um total anual de quase 78,3 milhões de toneladas no Brasil, o equivalente a, aproximadamente, 548 estádios do Maracanã. Deste total, 91% foi coletado, porém, apenas 58,4% teve um destino adequado para aterros sanitários. O restante, mais de 29,7 milhões de toneladas, foram parar em lixões ou aterros controlados, que não possuem o conjunto de sistemas e medidas necessário para proteção do meio ambiente contra danos e degradações.

Conforme a engenheira ambiental Caroline Beutler, “o aterro é um método de disposição final de resíduos, o qual deve possuir técnicas de operação para impermeabilizar o solo, garantir que o chorume gerado não apresente contaminação e assegurar que os gases produzidos tenham tratamento”.

Quando isso não acontece, uma série de fatores é desencadeada. “O resíduo vai se decompor da mesma maneira que aconteceria em um aterro, porém, todo o chorume gerado não tem como ser controlado e vai infiltrar no solo e, talvez, encontre um lençol freático, poluindo também essa água. Da mesma maneira, esse chorume irá produzir um gás e, ao invés de ele ser tratado, irá diretamente para a atmosfera. Então é proporcionada uma contaminação em todos os meios, o ar, o solo e a água”, explica a engenheira ambiental.

Uma responsabilidade de todos

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente Uma responsabilidade de todos A matemática é simples: a população mundial cresce a cada dia, assim como a geração de resíduos, mas temos apenas um planeta....

A matemática é simples: a população mundial cresce a cada dia, assim como a geração de resíduos, mas temos apenas um planeta. “Por mais que o lixo seja encaminhado ao aterro sanitário, que é a forma correta de descarte, aquela área gigantesca vai servir única e exclusivamente para fazer a destinação final deste resíduo, para sempre. Precisamos de espaço para isso, e quanto espaço ainda temos para este fim? A questão é que não temos mais planeta para tanto resíduo”, afirma Caroline.

A responsabilidade não pode ficar apenas a cargo do poder público. Cada um deve fazer a sua parte, refletindo sobre seus hábitos, o que consome, de quem adquire e como descartar quando não lhe for mais útil. Para a bióloga e educadora ambiental Marina Petzen, o foco deve ser o consumo consciente. “Não é parar de comprar, afinal, trabalhamos para melhorar nossa qualidade de vida. Mas podemos escolher o que comprar. Roupas, calçados, produtos de limpeza. Para tudo, existe uma opção mais sustentável no mercado. É uma pena que, geralmente, ela é também mais cara. Então somos influenciados também pelo preço. E para tudo vale a ideia de comprar de alguém que seja mais responsável ambientalmente”, reflete.

E não é apenas a conduta na hora de consumir que deve ser reavaliada, mas como se comporta o consumidor no momento do descarte. “Separar o orgânico do reciclável deveria ser o básico, já deveria ser uma prática comum, mas não é colocada em ação pela maioria das pessoas. Falta interesse da população em buscar informações sobre os seus resíduos. É mais cômodo colocar tudo em um saco de lixo, amarrar e deixar na rua, assim deixa de ser um problema meu. Se não for fazer isso pelo meio ambiente, façam pelos trabalhadores que lidam diretamente com isso”, indica Marina.

Os catadores desempenham papel fundamental na implementação da PNRS, atuando nas atividades da coleta seletiva, triagem, classificação, processamento e comercialização dos resíduos reutilizáveis e recicláveis, contribuindo de forma significativa para a cadeia produtiva da reciclagem. Contudo, o descaso com a classe é crescente e a falta de cuidado da população na hora de segregar seus resíduos compromete todo o trabalho.

O resíduo recolhido pela coleta seletiva da cidade de Chapecó – a única de Santa Catarina com sistema de coleta automatizada, de acordo com a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana – é encaminhado para oito associações de catadores cadastradas junto à Prefeitura. Uma média de 16 toneladas por dia que vão gerar renda para cerca de 140 famílias. A do presidente da Associação dos Recicladores Raio de Luz – Amarluz, Adão Francisco dos Santos, é uma delas. Trabalhando há mais de 20 anos com a triagem e venda de materiais reciclados, diz com propriedade que, mesmo com o apoio do governo municipal, as máquinas estando mais modernas e acessíveis e a constante propagação da informação, ainda há muito o que melhorar. “Por mais que tenhamos feito um trabalho de conscientização para a população separar capa mais adequadamente seus resíduos, ainda não é o suficiente. Tem cargas que chegam com 40% de rejeitos, junto com o reciclável. Selecionado, apurado e comercializado, são cerca de 15 toneladas de material por mês. E de quatro a seis de rejeito”, conta o catador. 

Os 2.976 lixões em operação no Brasil afetam a vida de 76 milhões de pessoas.

Rejeito este que pode aparecer de diversas formas. Lixo orgânico mal acondicionado que vazou e contaminou o material que poderia ser reciclado, restos de podas de árvores, potes com restos de comida dentro e até carcaças de animais. Tudo separado e acondicionado pelos mesmos trabalhadores que lidam com a matéria prima reciclável. “O pior de tudo é que se torna um trabalho insalubre, com risco de contaminação, enfermidade, dentre outras coisas. Às vezes vem até animais mortos! É de competência do proprietário e ele opta por fazer assim. Então não sei se é falta de conscientização ou de interesse em olhar para a vida dos outros”, lamenta Adão.

O resíduo que não serve para ser utilizado na reciclagem, é devolvido à empresa que realiza a coleta seletiva e encaminhado ao aterro sanitário, gerando uma logística e um custo extra desnecessários. “As associações estão em quase estado de calamidade. Não é só renda. É um serviço ambiental e uma prevenção para a sociedade. Não devemos nos envergonhar pelo trabalho que realizamos, pois estamos ajudando no futuro das próximas gerações. Falta aprofundamento da sociedade, para que cada um assuma sua responsabilidade, começando pela separação, envolvendo as condições de comercialização”, opina.

Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente - Apenas 13% dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil são encaminhados para reciclagem.
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Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente - Em 2016, cada brasileiro produziu, em média, 1,040 kg de lixo doméstico.
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Revista Servioeste Saúde e Meio Ambiente - Optar por produtos reciclados evita que aquele material seja extraído novamente da natureza.
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O tripé da sustentabilidade

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Adão reflete a realidade vivida por milhares de brasileiros. Não bastasse as condições precárias, o mercado também não ajuda. Do lado de fora do barracão da Amarluz, toneladas de vidro ficam dispostos, aguardando o dia de coleta. Segundo o presidente da associação, apenas uma empresa na região compra a matéria prima para reciclagem, mantendo, portanto, o preço deste material tão nobre nada atrativo. Apenas três centavos por quilo.

O que confirma o dito pela bióloga Marina: não basta sensibilização e conscientização, o mercado também precisa existir. É o chamado “tripé da sustentabilidade”, que envolve o economicamente viável, o ecologicamente correto e o socialmente justo. “Algo pode ser ambientalmente correto e ter possibilidade social, mas se não for economicamente viável não será feito, pois precisa dar lucro para quem está fazendo, pelo menos para que tenha uma renda digna. Ou a atividade não será viável financeiramente”, exemplifica a educadora ambiental.

Pelo menos 2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso à coleta regular de resíduos e são atendidas por lixões.

No caso do vidro, por exemplo, o Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente (uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) afirma que a sua reciclagem se torna restrita devido ao pouco interesse econômico demonstrado pela indústria vidreira em adquirir os vidros descartados. As exigências para sua coleta são muitas e o preço de comercialização é muito baixo. Para o Instituto, desinteresse econômico na coleta de vidros para reciclagem é difícil de ser compreendido, se levar em conta que a inclusão do caco na produção reduz sensivelmente os custos, exigindo menor uso de óleo combustível e eletricidade, sem contar as vantagens ambientais da redução da retirada de matérias primas da natureza, redução na emissão de gases na atmosfera e economia de espaço nos aterros.

Uma forma de auxiliar no equilíbrio deste panorama é voltar ao dito no início desta reportagem e repensar os hábitos de consumo. Optando por empresas sustentáveis se contribui para gerar um demanda de mercado e, quem sabe um dia, transformar o cenário econômico. “Precisamos, primeiramente, mudar o nosso estilo de vida, saber o que é certo para mim, para depois buscar nos outros. Não se desmotive pelas ações erradas, mas se inspire pelas corretas”, finaliza a engenheira ambiental Caroline.

Campanha pelo fechamento dos lixões

Os lixões recebem cerca de 40% dos resíduos sólidos do planeta, servindo de três a quatro bilhões de pessoas. Em setembro de 2016, a ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos) lançou uma campanha internacional pelo fechamento dos 50 maiores lixões do mundo, após constatar que tais locais são as maiores fontes de poluição do planeta. No Brasil, o Lixão da Estrutural, situado a 15 quilômetros da Esplanada dos Ministérios no Distrito Federal, é o segundo maior lixão do mundo e o primeiro na América Latina, recebendo 4 mil toneladas de lixo e afetando 5 milhões de pessoas.

Porém, o fechamento desses lixões requer muito mais que aspectos físicos e estratégicos. Milhares de famílias sobrevivem nesses locais. Conforme a Abrelpe, “a dimensão social mais importante e complexa do encerramento de lixões é, geralmente, a presença de catadores e sua incorporação no novo sistema de gestão de resíduos de forma justa, tecnicamente viável e financeiramente sustentável”.

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