Postado em 09 de Julho de 2019 às 13h04

No mundo da lua

Vida Saudável (34)

Desatenção, procrastinação ou excesso de energia. Para alguns pode ser algo normal do dia a dia, mas para outros vai muito além disso: é diagnóstico para Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade.

Por Tuanny de Paula


Inquietação. Mãos remexendo. Perna balançando. Esse comportamento é algo natural para Thiago Julio Corrêa, que há cinco anos foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, conhecido popularmente como TDAH. Para quem passa alguns minutos com ele não percebe instantaneamente o que isso tem a ver com o transtorno, mas após ele começar a explicar é possível observar as palavras se atropelando enquanto saem de sua boca. Parece que a fala não consegue acompanhar a velocidade do seu raciocínio.

“A vantagem que eu tenho ao ter TDAH é que toda conversa que eu vou ter com pessoas, eu já tenho planejada em minha cabeça. Eu imagino cenários, todos os ‘sins’ e ‘nãos’, por onde vai e o que vai acontecer”, explica ele. Talvez seja o que aconteceu em nossa conversa, pois Thiago já sabia que eu iria procurá-lo para falar sobre o assunto.

Mas isso não é um problema, pois ele se demonstra muito aberto em conversar e expor o seu caso. Com 33 anos, o estudante de administração e assistente de cadastro do Grupo Servioeste, descobriu que tinha o transtorno aos 28 anos. “Eu descobri meu transtorno muito tarde. Como eu descobri isso? Foi enquanto eu ia me consultar com uma psiquiatra com o objetivo de emagrecer e aí ela percebeu que eu sempre respondia antes mesmo de ela terminar as perguntas”.

Percebendo essa atitude, a profissional resolveu aplicar alguns testes específicos para diagnóstico de TDAH, aos quais conseguiu concluir que Thiago apresentava os sintomas. “Eu sempre percebi que minha cabeça não funcionava direito, porque eu não consigo ficar parado e sempre estou pensando em muita coisa”, conta ele. 

Sentimentos de medo e choque tomaram conta dele, que dividiu a notícia com sua esposa e com seus pais. A companheira demonstrou preocupação, principalmente por não conhecer do que se tratava. Já seus pais riram inicialmente, por não acreditarem na existência do distúrbio. “Para mim sempre foi um pouco difícil, porque minha família nunca acreditou em psicólogo ou psiquiatra. Eu sou muito ansioso e desprovido de sono - tanto que tomo remédio para dormir - e minha mãe nunca acreditou que isso pudesse ser consequência da hiperatividade que tenho”.

Ele lembra que durante a infância e adolescência deu muito trabalho aos seus pais, pois não conseguia ficar em casa. “Eu sempre tinha que fazer alguma coisa, me mexer”. Na escola, as disciplinas de português e matemática eram sua diversão, enquanto biologia se tornava o oposto. “Tinha muita coisa na época que eu não imaginava que era consequência do TDAH e fui descobrir só com a psiquiatra e depois de pesquisar mais a fundo sobre o assunto”, reflete.

Quando perguntado sobre os amigos da época, Thiago recorda de ter tido um ou dois e esclarece que o fato de falar sozinho fazia com que não sentisse falta de amizades. Agora na vida adulta, as coisas são diferentes. Ele aprendeu mais sobre o transtorno e desenvolveu algumas técnicas para lidar com ele. “Antes de saber que eu tinha TDAH, era muito prejudicado em entrevistas de emprego, por exemplo. Com o tempo aprendi a desacelerar minha cabeça e a escutar mais os outros”.

Na empresa, atualmente exerce a função de assistente de cadastro e seus colegas muitas vezes brincam, dizendo para ele “frear” e respirar um pouco. “No setor de cadastro eu consigo focar no trabalho porque as informações que recebo são exatas. Antes eu trabalhava no setor financeiro e os números me deixavam louco”. Quando pergunto aos seus colegas de sala como é trabalhar com ele, a resposta é certeira: “Extremamente divertido”. Isso se dá pelo fato de o silêncio ser incômodo para Thiago, pois sua cabeça está sempre matutando várias coisas ao mesmo tempo. Sendo assim, o barulho se torna seu melhor amigo.

Além de trabalhar, ele também estuda à noite. No curso de administração, o único empecilho que encontra são os trabalhos em grupo, pois tem dificuldade em conciliar várias pessoas com pensamentos diferentes. “O engraçado disso é que eu não consigo trabalhar em grupo na faculdade, mas aqui no trabalho eu consigo me adaptar ao grupo de colegas”, reflete rindo.

E para que isso aconteça, a medicação serve como uma boa muleta. Pela manhã e à noite, ele toma um remédio específico para o transtorno, que o ajuda a manter o foco e desacelerar sua hiperatividade. “A maioria das pessoas fala que déficit de atenção é você não ter atenção para nada, mas na verdade é você ter atenção para determinadas coisas. No início eu achava que o TDAH me atrapalhava muito, mas agora penso que ele me ajuda”, conclui Thiago.


Habitando o mundo da lua

Todo mundo tem sintomas de desatenção e inquietude, mas 5% da população tem muito mais que os demais. Como é o caso de Thiago. Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida.

Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade e o que muitas pessoas popularmente caracterizam como estar no mundo da lua, assim como é intitulado o livro do psiquiatra e principal estudioso da área, Paulo Mattos. Algumas pessoas apresentam esses sintomas de forma muito intensa, a ponto de piorar seu rendimento em diversas áreas da vida, como estudos, trabalho, finanças e relacionamentos.

O diagnóstico em crianças é realizado através da avaliação por um médico psiquiatra que preferencialmente tenha acesso à informação dos pais e professores. Em adultos o diagnóstico é realizado através de uma entrevista psiquiátrica diretamente com o paciente. Exames e avaliações psicológicas podem auxiliar no processo, mas o diagnóstico é essencialmente clínico.

O transtorno é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que juntamente com a Associação Americana de Psiquiatria (APA), afirma que cerca de 4% dos adultos e de 5% a 8 % de crianças e adolescentes de todo o mundo sofrem de TDAH.

Segundo o psiquiatra Vitor Carlos Thumé Breda, qualquer pessoa pode ser afetada, independente do sexo, idade, etnia e cultura e estudos genéticos apontam para um componente genético importante, embora fatores ambientais também estejam envolvidos.

“É um transtorno que não tem cura. É possível que ocorra uma redução dos sintomas com o passar da idade, mas existem dados na literatura de que novos casos também possam surgir na vida adulta. Uma vez realizado o diagnóstico, é possível que os sintomas ‘flutuem’ ao longo do tempo, com períodos de melhora e de piora do quadro”, explica.

Para amenizar os sintomas, o tratamento pode ser feito através de psicofármacos e psicoterapia. Além disso, algumas medidas comportamentais podem ser úteis, como o uso de agenda e alarmes para não esquecer compromissos, evitar mudanças bruscas na rotina e colocar contas a pagar em débito automático.

“Praticar atividade física e melhorar o padrão de sono pode auxiliar na melhora da atenção. Abordagens psicoterapêuticas e cognitivas também podem ajudar o indivíduo a se compreender melhor, buscar estratégias para lidar com frustrações e emoções, e a entender que não se trata de pouca inteligência ou preguiça, e sim um problema médico que podem necessitar tratamento especializado”, salienta Breda.

Thiago Julio Corrêa há cinco anos foi diagnosticado com TDAH

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