Postado em 18 de Dezembro de 2019 às 13h31

A eletricidade que vem do mar

Energia Limpa (9)

Usina de ondas na França

Geração de energia limpa e renovável a partir do oceano é o principal potencial energético do Brasil, porém esbarra no alto custo e na falta de incentivos

Angela Piana

Basta apertar um interruptor para acender a lâmpada, ligar a máquina de lavar ou o televisor. Facilidades ao nosso alcance que agilizam a vida graças ao avanço tecnológico que incluiu uma das principais conquistas do mundo moderno: a energia elétrica. A execução de tarefas simples, até produções industriais mais complexas, são responsáveis por tornar o Brasil um dos dez países que mais consomem energia elétrica no mundo, alcançando 474,82 TWh (Terawatt-hora) por ano, segundo o último anuário divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. O setor industrial é o maior consumidor, com quase 36% do total, seguido pelo residencial, com 29%.

A expectativa pelo aumento da demanda e o fim previsível dos combustíveis fósseis, fonte importante para a geração de energia primária, têm incentivado a busca por alternativas para ampliar a produção e manter o mundo em movimento. Nos últimos anos, a geração de energia limpa e renovável, através do uso do vento e sol por exemplo, tem sido uma aposta positiva. Outra opção que vem chamando a atenção é a produção de energia elétrica através do mar, também chamada de energia maremotriz.

As pesquisas para o desenvolvimento de novas tecnologias que viabilizem a produção de energia do mar em grande escala, ainda dão os primeiros passos. A expectativa é que levemos entre 15 e 20 anos para que esta opção energética adquira relevância comercial considerável no Brasil. Porém, no cenário mundial, Portugal e Reino Unido já utilizam a produção comercialmente e pelo menos outros dez países possuem projetos neste sentido.

Um relatório divulgado pela Ocean Energy Forum, considera que o aproveitamento das ondas e marés para a produção de energia elétrica, substituindo boa parte da produção energética tradicional, será essencial para cortar em até 95% as emissões de gases com efeito de estufa na União Europeia, até 2050, chegando a níveis comparados aos registrados em 1999. Estima-se que a energia do mar poderá suprir 10% das necessidades energéticas destes países.

OS DESAFIOS NO BRASIL

No Brasil, em 2012, funcionou em caráter experimental a primeira usina de ondas da América Latina, e única do país, no Porto de Pecém, em São Gonçalo do Amarante, no Ceará. O projeto de pesquisa e desenvolvimento foi criado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através da implantação de um protótipo conversor de ondas onshore, quando as estruturas são fixadas ou estão submersas em águas pouco profundas, normalmente apoiadas diretamente na costa. A usina ocupava uma área de 200 m² e tinha capacidade total de 50 KWh (Quilowatt-hora).

A produção de energia elétrica do mar é vista como o principal potencial energético do Brasil na atualidade, segundo o superintendente de regulação dos serviços de geração da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), Christiano Vieira.

“É indispensável pensarmos na necessidade de diversificação da nossa matriz elétrica renovável. Dentre tantas alternativas que temos, o mar é visto como o principal caminho, o país possui uma extensa costa litorânea e os estudos da UFRJ apontam um potencial de produção de energia elétrica, em torno de 14GW (Gigawatt)”.
Apesar do grande potencial, a produção energética do mar esbarra em entraves importantes para o seu desenvolvimento no Brasil.

O principal é o alto custo em relação às demais fontes de geração elétrica, considerando a necessidade de uma engenharia inovadora que garanta instalações fortes e sólidas para resistir às tempestades e a ação de desgaste estrutural com o tempo. Os desafios das empresas no desenvolvimento de projetos de centrais geradoras também se referem ao licenciamento ambiental e ao uso das áreas onde os empreendimentos serão implantados.

“Para explorar o serviço de distribuição de energia elétrica, as concessionárias são obrigadas a destinar 0,75% de sua receita operacional líquida para pesquisas e 0,25% para programas de eficiência energética no uso final”, explica Vieira ao ressaltar a importância do incentivo a projetos de pesquisas e desenvolvimento e dos incentivos públicos ao setor.

A ANEEL concede às centrais geradoras, através do Regime Especial de Incentivos, 50% de desconto das tarifas de transmissão e distribuição, e suspende as contribuições para o PIS/PASEP e COFINS nas aquisições, locações e importações de bens e serviços, por cinco anos a partir da habilitação do projeto. 

COMO É A PRODUÇÃO

A força do mar tem sido aproveitada desde o século XI pelos franceses e ingleses que utilizavam as ondas para movimentar pequenos moinhos. A primeira usina para gerar energia elétrica através do mar foi construída na França, em 1966, e atualmente há pelo menos 15 operando pelo mundo, a maioria ainda não de forma comercial.

A energia do mar é obtida através da movimentação das marés e das ondas. Basicamente, consiste em um flutuador, um braço mecânico e uma bomba conectada a um circuito de água.

“A medida que as ondas passam, os flutuadores sobem e descem, o que aciona as bombas hidráulicas, que fazem com que a água contida em um circuito fechado, no qual não há troca de líquido com o ambiente, circule em um local de alta pressão. Essa água que sofre grande pressão vai para um acumulador, que tem água e ar comprimidos em uma câmara hiperbárica”, detalha o superintendente de regulação dos serviços de geração da ANEEL, Christiano Vieira.

Algumas condições são necessárias para a captação deste tipo de energia, como o desnível das marés ser superior a sete metros. Os locais mais propícios para a instalação de estações são a baía de Fundy (Canadá) e baía Mont-Saint-Michel (França), as duas mais de 15 metros de desnível. No Brasil há 8 mil quilômetros de extensão de litoral aptos a receberem usinas de ondas que seriam capazes de gerar 17% da demanda de energia elétrica do país. Os locais mais apropriados são o estuário do rio Bacanga, em São Luís (MA), com marés de até sete metros, e a ilha de Macapá (AP), com marés de 11 metros.

ECONOMIA AZUL

O mar é uma importante fonte econômica, tanto que o Banco Mundial reconhece o termo Economia Azul para considerar o uso dos seus recursos para o desenvolvimento econômico sustentável. Além da produção de energia elétrica, o mar e a costa marítima têm se apresentado como base para a prática de diversas ações.
Segundo a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, as atividades marítimas representam hoje, 19% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, movimentando R$ 2 trilhões por ano. Algumas atividades já estão consolidadas, como por exemplo, a operação portuária, responsável pelo trânsito de cerca de 95% do comércio exterior.

Além disso, mais de 90% do petróleo, 75% do gás natural e 45% dos pescados extraídos no nosso país são provenientes da chamada Amazônia Azul, uma área de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente à superfície da Floresta Amazônica e considerada a nova fronteira da economia mundial.

“A indústria da tecnologia é que mais tem potencial de crescimento na Economia Azul, em setores como farmacêutico, mineração, construção civil e agrícola, através do uso das jazidas de minerais pesados, ouro, carvão, níquel, cobalto, enxofre, manganês, calcário e fosforita” prospecta o engenheiro ambiental e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Sérgio Vieira.

O Brasil tem registrado avanços importantes no setor como a conquista da autossuficiência na produção de petróleo e a liderança na América Latina ao se tornar o primeiro país do continente a ter permissão para explorar minerais em águas internacionais. A permissão é concedida pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISBA). Até 2014, apenas França, Alemanha, Coreia do Sul, Rússia, China e Índia estavam autorizados a manter pesquisas e trabalhos em outras partes oceânicas.

A principal aposta atual do Brasil em termos de mar foi descoberta em 2007. A camada pré-sal, além de representar a autossuficiência do Brasil em termos de petróleo, também é considerada a maior conquista mundial da indústria de petróleo e gás natural nos últimos cinquenta anos, devido ao grande potencial de exploração das reservas. Ela está localizada abaixo do leito do mar, sob mais de três quilômetros de rochas, indo do litoral do Espírito Santo ao de Santa Catarina, atingindo aproximadamente 150 mil quilômetros quadrados de área.

A Petrobras, estatal responsável pela exploração junto com um grupo de empresas consorciadas, anunciou no ano passado uma produção de 2 milhões de barris de petróleo por dia, com previsão para dobrar até 2020.

“Apesar de todos os exemplos de atividade marítima e do grande potencial, o Brasil ainda caminha a curtos passos na exploração do mar. Os desafios da Economia Azul envolvem questões de transporte marítimo, navegação, biotecnologia e produção de energia. Uma demanda considerável de investimentos, uma vez que a exploração no fundo do mar tem um custo superior a feita em terra”, avalia Sérgio ao explicar que o País ainda não tem um programa de incentivo à exploração ou estudos do mar.

Em 2017, o governo federal assumiu na Conferência dos Oceanos da ONU, o compromisso de implantar até 2030, o Planejamento Espacial Marinho. 

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